A queda dos investimentos públicos para manutenção, adequação e construção de rodovias na última década preocupa senadores da Comissão de Agricultura e Reforma Agrária (CRA). Enquanto em 2010 o governo federal aplicou R$ 17,86 bilhões para essas obras, no ano passado os recursos caíram para R$ 6,74 bilhões, 20% do valor. O assunto foi debatido em audiência pública nesta quinta-feira (19).
Para o presidente do colegiado, senador Acir Gurgacz (PDT-RO), a diminuição de investimentos se reflete na situação precária das vias federais que, segundo ele, coloca em risco todos os usuários e aumenta as dificuldades para o transporte de cargas. As consequências apontadas pelo parlamentar, além do encarecimento do frete, são o comprometimento do desempenho e da competitividade da indústria e da agricultura, elevando o custo dos alimentos.
— É evidente que essa redução também é reflexo da economia do país, que cresceu apenas 0,3% na última década. Ou seja, faltam recursos públicos e privados para investimento em infraestrutura em nosso país — observou.
O senador Esperidião Amin (PP-SC) demonstrou pessimismo quanto à possibilidade de aumento dos investimentos públicos no setor. Para ele, não é certeza de sucesso o modelo de parcerias público-privadas (PPPs), que “sempre exige subsídios e garantias e também requer dinheiro público”. Amin considerou ainda a modalidade de licitação por menor preço “a maior barbaridade que se fez no país”. Ao ressaltar que há impunidade nas licitações e nas regulações de contratos no Brasil, o parlamentar citou o exemplo do projeto da BR-101, em Santa Catarina, onde a empresa vencedora da concorrência decretou sua própria inadimplência.
— É a única ação pública que assinei na vida: contra a concessionária, que já mudou, contra o então Ministério dos Transportes, agora Ministério da Infraestrutura, e a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT). Pelo contrato [a obra] deveria ter sido inaugurada em fevereiro de 2012. Já sofreu reajuste de R$ 1.1 bilhão, que já está sendo pago, conforme aprovado pelo Tribunal de Contas da União (TCU), sem que nenhuma multa tenha sido aplicada — protestou.
Privatizações
Gurgacz afirmou a concessão e a privatização das rodovias federais, transferindo o custo de manutenção para os usuários, também não têm dado conta de realizar os investimentos previstos e, portanto, não podem ser consideradas bem-sucedidas. Segundo o senador, dos oito trechos cedidos na última etapa do programa federal até 2018, um foi cassado e os demais enfrentam processos de ajustes que podem resultar em sua caducidade ou devolução.
Dos 12 leilões de rodovias previstos inicialmente para 2021, conforme Gurgacz, apenas 6 devem ser leiloados este ano, segundo informações do Programa de Parceria de Investimentos do Ministério da Infraestrutura. Apenas o leilão da BR-163 (do Mato Grosso ao Pará), e da BR-153 (ligando Goiás ao Tocantins) foram realizados este ano, disse.
O senador anunciou que a comissão vai enviar um documento ao Ministério da Infraestrutura e à Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) com contribuições para evitar a judicialização das concessões.
— Ontem foi lançado o edital de concessão da BR-116, trecho Rio-Santos, e o leilão deve ser no dia 29 de outubro. As demais concessões devem ser feitas até o final do ano, com previsão de investimentos privados contratados da ordem de R$ 100 bilhões para um período de 30 anos. Enfim, queremos que essas parcerias com a iniciativa privada deem certo, para que esses investimentos aconteçam e para que o governo também faça sua parte, com os investimentos públicos necessários para melhorar a infraestrutura do país, pois o maior gargalo do Brasil está no transporte.
Marco das Ferrovias
O senador Luiz Carlos Heinze (PP-RS) ressaltou que os recursos de todos os ministérios são escassos e, por isso, defendeu a adesão ao sistema de concessões para o gerenciamento de rodovias e hidrovias nacionais. Ele considerou importante a análise e votação do Marco Legal das Ferrovias (PLS 261/2018) pelo Senado, já que o texto, segundo afirmou, ajudará a estabelecer linhas para ligação entre todos os estados. O parlamentar informou que já existe acordo para a matéria ser apreciada nas próximas duas semanas, mas disse ser importante incluir no debate representantes do setor produtivo, da indústria e do comércio.
Heize enalteceu “o protagonismo brasileiro nos setores produtivo e energético”. Ele disse que tem discutido com ministérios como o do Meio Ambiente a apresentação de um plano na COP-26 chamado “O Brasil como produtor de um tipo de madeira que vai substituir a energia suja produzida por países como China, Japão e Estados Unidos”. Marcado para acontecer entre os dias 1º e 12 de novembro, o evento reunirá líderes de 196 países em Glasgow, na Escócia.
Pedágios
Relator do Marco Legal das Ferrovias, o senador Jean Paul Prates (PT-RN) afirmou que as formas de aplicação ou não de pedágios dependem de questões como o uso e o índice de desgaste das rodovias. Para ele, aqueles que reclamam das praças de cobrança e da privatização das estradas e, ao mesmo tempo, falam em Estado mínimo, agem com contrassenso. Na visão de Jean Paul, o “Estado necessário” é um meio termo, que precisa ser discutido.
Mencionando que parte da população considera infrutíferos os impostos cobrados no país, Jean Paul defendeu uma modulação de radicalismos. O senador disse que, embora ainda careça de aprimoramentos, o Estado brasileiro avançou nas últimas décadas. Ele considerou que, em vez de “matar um corpo doente”, é necessário “cuidar da saúde e aprimorar seu desempenho”.
— Quanto mais o Estado tiver em orçamento para obras e facilitar, diminuir ou extinguir o pedágio, melhor. Ocorre que estamos há cinco décadas ouvindo que o Estado brasileiro precisa diminuir de tamanho. Ele precisa, sim, ser racionalizado porque, a cada ano, temos orçamentos menores tanto para serviços essenciais como saúde, educação, segurança pública, quanto para esse tipo de obra, para dar apoio aos setores produtivos e aos próprios cidadãos — disse.
Gurgacz cobrou a duplicação da BR-364, em Rondônia, sem que haja, no entanto, a instalação de praças de pedágio antes de a obra ser concluída. Para o senador, a discussão de questões como essa precisa ser aprofundada, “para não criarmos mais conflitos entre os estados e prejudicarmos ainda mais os usuários e o setor produtivo”. O parlamentar criticou a falta de transparência sobre a arrecadação obtida com a cobrança de pedágios no país e questionou onde estariam sendo aplicados esses recursos. Ele censurou o governo dizendo que, além de não fazer os investimentos necessários em infraestrutura, privatiza as rodovias e ainda obtém lucro sobre elas por meio dessas tarifas.
— Quem deveria fazer os investimentos é o governo. Subsidiado por outros impostos, evidente, já que não há específicos para rodovias. Privatizar é a solução? Ok. Mas haver lucro do Estado sobre privatizações e pedágios, entendo ser totalmente desnecessário — declarou Gurgacz.
Concessões
Superintendente de Concessões da ANTT, Renan Brandão disse que, embora seja primordial o investimento público, concessões de rodovias são inevitáveis. Segundo ele, o Orçamento é insuficiente tanto para a manutenção quanto para a ampliação da capacidade e melhorias fundamentais para a segurança das malhas. O debatedor mencionou problemas em contratos de concessão, como inconsistências no cumprimento de obrigações, levando essas obras a serem substituídas. E questionou a atuação de órgãos como o TCU na fiscalização de todas as etapas da execução dos cronogramas.
— Talvez, as concessionárias selecionadas não tenham sido as mais aptas a executar fielmente aquele conjunto de investimentos colocados — disse.
Diretor do Departamento de Política e Planejamento Integrado do Ministério da Infraestrutura, Tito Lívio Pereira Queiroz e Silva reforçou a necessidade de ampliação da logística rodoviária no país. Ele apresentou projeções do governo que apontam a necessidade de recursos para o setor da ordem de R$ 11,5 bilhões anuais até 2035. E ressaltou que o maior desafio é obter o dinheiro público para suprir as carências do setor.
Competitividade
O diretor-presidente da Cooperativa Agroindustrial de Cascavel (Coopavel), Dilvo Grolli, questionou como poderá haver competitividade no setor produtivo, as tarifas de pedágio em estados como São Paulo seriam até quatro vezes menores do que em lugares como o Paraná. Para ele, não há saídas para investimentos fora da iniciativa privada, cuja gestão seria “mais facilitada” por haver menor burocracia e ampla linha de administração direta.
Especialista em Logística e Infraestrutura, Luiz Antonio Camargo Fayet ressaltou que o trânsito rodoviário é a essência do agronegócio brasileiro. Ele comparou o funcionamento do sistema circulatório viário ao do corpo humano, onde tudo precisa trabalhar perfeitamente para não destruir a competitividade. Para Fayet, a formação de conselhos com visões locais são uma saída para a obtenção de melhor qualidade da infraestrutura e um menor custo operacional. Ele sugeriu ainda a elaboração de um modelo de governança da malha rodoviária estadual e federal em formato de parceria entre os entes federados e o Poder Executivo.
Amin sugeriu que o assunto volte a ser discutido pela CRA em conjunto com comissões como a de Assuntos Econômicos (CAE) e a de Infraestrutura (CI). Gurgacz acatou o pedido, dizendo ser preciso avançar no debate, “a fim de encontrar o modelo ideal para evitar privatizações”.
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