A vacinação em grande escala só é possível graças ao trabalho coordenado entre especialistas em cadeia de suprimentos e transportadores
Administrada em seringas, uma dose da vacina Coronavac corresponde a 0,5 ml. Para se ter uma ideia, uma colher de chá corresponde a 5 ml. Essas gotinhas têm valor inestimável, muito superior ao preço estipulado pelo fabricante (cerca de US$ 10 ou R$ 55), pois salvam vidas. Transportá-las em segurança, do local de produção até o ponto de atendimento em saúde, é um dos maiores desafios da atualidade – e que vem sendo enfrentado tanto pela cadeia logística quanto pelas empresas de transporte, sob o comando dos governos federal e estaduais.
Veja aqui vídeo sobre a necessidade de escolta das vacinas.
A inteligência por trás dos deslocamentos é dada pelo plano logístico que, no caso brasileiro, foi traçado a muitas mãos – uma notável cooperação entre o poder público e a iniciativa privada. Se a logística é o cérebro, os diferentes modais do transporte são as pernas e os braços. Para ser bem-sucedido, um plano precisa contemplar três fluxos. Primeiro, de informação, para dizer o que é necessário, em qual prazo e qual o destino. Segundo, de dinheiro, para comprar o material e pagar os serviços envolvidos. Terceiro, de materiais, que podem ser delicados e escassos, como é o caso da vacina.
Especialistas em logística trabalham com três variáveis em mente: qualidade, preço e tempo. Considera-se que somente duas podem ser priorizadas, ou seja, uma será sacrificada em prol das outras. Em uma campanha de vacinação em larguíssima escala, como a que ocorre atualmente no mundo, fica patente que as autoridades travaram uma luta contra o tempo, inclusive, flexibilizando os protocolos habituais para a aprovação desse tipo de medicamento. É um caso clássico de fator tempo pressionando qualidade e preço.
O tiro de largada da operação da vacinação no Brasil foi dado em 18 de janeiro, quando o Ministério da Saúde anunciou a distribuição de quase 6 milhões de doses da vacina para todas as Unidades da Federação. A partir do Centro de Distribuição Logística de Guarulhos (SP), os frascos (cada um com dez doses do imunizante) foram despachados em aeronaves da Força Aérea e das companhias aéreas que atuaram de forma gratuita. Depois, o deslocamento entre as capitais e os municípios menores foi feito em caminhões refrigerados das transportadoras brasileiras e rastreados por satélite.
O transporte está preparado
Desde o início da pandemia, o setor de transporte é uma voz ativa no enfrentamento da crise. As empresas, que já haviam se colocado à disposição do poder público para transportar insumos hospitalares, respiradores e EPIs, receberam com naturalidade a hipótese de movimentar doses de vacina. Em 17 de janeiro, quando a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) aprovou o uso emergencial das vacinas da Oxford-AstraZeneca (a ser fabricada pela Fiocruz, mas, por enquanto, disponível na Índia) e da Coronavac (do laboratório chinês Sinovac em parceria com o Instituto Butantan), a organização logística já estava montada, assim como as frotas.
“As transportadoras possuem conhecimento do processo e das necessidades de movimentação, armazenagem e manuseio de cargas especiais. Elas realizam a distribuição de imunizantes que exigem condições especiais, com tecnologia e confiabilidade. É essa expertise que foi colocada a serviço da saúde pública”, destaca o presidente da CNT (Confederação Nacional do Transporte), Vander Costa. “Além disso, o setor é multimodal e opera com capilaridade suficiente para alcançar, se for o caso, comunidades isoladas, como são algumas aldeias indígenas”, acrescenta.
De fato, há uma experiência acumulada do setor na lida diária com produtos perigosos e, mais especificamente, com fármacos. “O transporte de farmacêuticos tem por primazia a velocidade, a segurança e a qualidade. No caso de vacina, o trabalho é um pouco diferenciado. Você hoje atende ao Brasil inteiro na distribuição de farmacêuticos, variando em prazos de 24 horas até, no máximo, dez dias. Falando de um lugar mais longínquo, como o estado do Amapá, na região Norte, pode chegar a 16 dias, mas essa seria uma situação extrema, com trechos de barco”, analisa Gylson Ribeiro, sócio-administrador da empresa JTR Logística e diretor da Especialidade de Transportes de Produtos Farmacêuticos do Setcesp (Sindicato das Empresas do Transporte de Cargas de São Paulo e Região).
É interessante notar que, no desafio da vacinação contra a covid-19, ocorre uma sinergia entre a malha logística das transportadoras e a própria rede de Unidades Básicas de Saúde, mantida pelo Estado. “O Brasil já tem uma estrutura do SUS muito enraizada e amplamente testada nesses anos todos. As vacinações ocorrem duas a três vezes por ano, em campanhas. Normalmente, há uma campanha anual, mas sempre existem vacinações mais específicas. Então, nós já temos uma estrutura para isso”, confirma Ribeiro.
Quanto à questão do volume da carga, desafiadora a princípio, o especialista desmistifica: “Embora sejam milhões de doses, isso não é algo que assuste. Você consegue tranquilamente acomodar 2 milhões de doses em uma carreta baú frigorificada, sendo que a parte mais distante do trajeto é feita por via aérea. Uma vez nas capitais, você pulveriza a carga em carros menores, em VUCs, em vans. A última milha requer um pouquinho mais de cuidado, mas não vejo dificuldade”.
Aéreas na linha de frente
Como a produção da vacina está concentrada em São Paulo, a primeira “perna” das viagens de distribuição para as demais capitais é aérea. Por meio da Abear (Associação Brasileira das Empresas Aéreas), Gol, Latam e Voepass mantiveram um canal aberto com o governo federal e ofereceram seus serviços. “Todas as companhias disponibilizaram seus esforços, frotas, malhas aéreas e equipes para o transporte gratuito da vacina”, explica Eduardo Sanovicz, presidente da Abear.
Para o presidente, a participação das aéreas no desenho da logística da campanha, ao lado do governo federal, demonstra a coerência e a coesão do setor. “A aviação vem mostrando seu compromisso com o Brasil desde o início dessa crise. Mantivemos as capitais e principais cidades conectadas no começo da pandemia. Depois, atuamos ativamente na repatriação de quem viajou para fora, e não tinha conseguido voltar. (…) Transportamos gratuitamente profissionais de saúde em todo o país, para combater o vírus, implantamos protocolos de segurança sanitária para retomar as atividades da maneira mais segura e rápida possível”, enumera.
A Azul Linhas Aéreas também foi uma das companhias que se prontificou a ajudar no transporte da vacina antes mesmo da aprovação da substância. Em janeiro, no lançamento da campanha de vacinação, ela efetivamente realizou os primeiros voos de entrega com destino a Cuiabá, Vitória, João Pessoa, Curitiba, Porto Alegre, Rio de Janeiro, Recife, Belo Horizonte, Salvador, São Luís, Aracaju, Natal e Maceió. Em cada viagem, são transportadas até 5.000 doses.
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