A Câmara dos Deputados aprovou ontem a criação de um preço mínimo para o frete rodoviário, medida provisória (MP) editada pelo governo para acabar com o protesto dos caminhoneiros contra a alta dos combustíveis, mas que desagrada a indústria e o agronegócio por elevar os gastos com o serviço. O texto incluiu, num "jabuti", a anistia de multas aplicadas pela paralisação das rodovias e locaute.
O projeto só deve ser votado pelo Senado Federal em agosto, na volta do recesso parlamentar, e há uma promessa de que essa anistia será vetada. O PSB, da oposição, fez destaque para excluir esse artigo do projeto, mas aceitou aprová-lo simbolicamente com o compromisso de que o governo vetará depois.
O acordo ocorreu porque, caso o PSB insistisse na votação nominal, a sessão poderia cair por falta de quórum – menos de 50 deputados acompanhavam a negociação no plenário. Quem deu a palavra de que haverá veto, contudo, não foi um representante oficial do governo na Câmara, mas o relator da MP, o deputado Osmar Terra (MDB-RS). "O governo se dispõe a vetar esse artigo e na votação o veto discutir se tem ou não multa", disse Terra.
Interlocutores do Executivo no Congresso disseram que não há compromisso do Palácio do Planalto com o veto. O ministro da Secretaria de Governo, Carlos Marun, comemorou a aprovação, mas não foi assertivo. "É possível sim que em relação a isso se estabeleça o veto", disse, antes de lembrar que o Senado ainda precisa votar o texto. "Vamos verificar o texto final e avaliar".
O Supremo Tribunal Federal (STF) aplicou quase R$ 1 bilhão em multas a transportadoras por locaute (greve a mando dos patrões, o que é ilegal). Além disso, também aplicou-se multas em caminhões parados em rodovias e que atrapalhavam o trânsito. Autor da emenda da anistia e dono de frotas de caminhões, o deputado Nelson Marquezelli (PTB-SP) defendeu que a medida é necessária porque há empresas avaliadas em R$ 300 mil e multas em R$ 11 milhões. "Se não tiver anistia, vai quebrar mais de 50% das empresas de transporte. É impossível um ministro do STF saber, de Brasília, porque o caminhão está parado nas estradas”.
O projeto incluiu também ontem outro tipo de anistia, agora para as empresas que contrataram os serviços desde o dia 30 de maio e ignoraram a tabela do frete. Essas empresas seriam obrigadas a pagar o dobro do valor devido aos caminhoneiros pela tabela, descontado o que já foi pago. Agora, caso o texto seja aprovado, essas penalidades serão revogadas até 19 de julho.
A Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) terá um prazo – que terá que ser revisto pelo Senado, já que a Câmara aprovou o dia 20 de julho – para elaborar uma nova tabela com a relação dos "custos mínimos", como combustível, pedágio e desgaste do veículo, que o caminhoneiro terá por cada trecho rodado e qual o valor do frete. A MP não diz quais serão esses valores, só o que será considerado no cálculo, e determina a revisão a cada seis meses. Há um gatilho também para que outro reajuste quando houver variação de 10% no preço do óleo diesel, para mais ou para menos.
A indústria e o agronegócio são contra o tabelamento e já ingressaram com ações na Justiça questionando a política do preço mínimo. Afirmam que a tabela terá efeitos na inflação, ao aumentar os custos com transporte, o que será repassado para os produtos, e que é inviável a ANTT elaborar uma planilha que adequada para todos os setores. A lei da oferta e da demanda deve prevalecer, afirmam. Deputados ligados a esses setores tentaram impedir a votação da proposta, mas não conseguiram nem votar uma emenda para tornar a tabela uma mera referência, sem a obrigação de aplica-la nos contratos.
Já Terra defende que a tabela será uma referência para os meses de menor demanda, fora da safra agrícola, e que é justo para garantir uma renda mínima para os caminhoneiros, a exemplo do salário mínimo para os trabalhadores celetistas. O próprio agronegócio já aplica uma política de preço mínimo com os produtores, argumentou, e na maior parte do ano os valores do frete serão maiores do que os da tabela.
Os produtores rurais têm pressionado o Congresso a derrubar a tabela e divulgado grandes prejuízos para sensibilizar os parlamentares. O potencial de perdas do setor de grãos em Goiás, segundo o Instituto para o Fortalecimento da Agropecuária Goiana (IFAG), ligado à Associação dos Produtores de Soja e Milho de Goiás (Aprosoja-GO), chega a R$ 600 milhões desde que a medida entrou em vigor em maio.
A entidade diz que, devido às incertezas causadas pela MP, os produtores têm perdido boas oportunidades de vendas. Muitas empresas compradoras diminuíram ou mesmo paralisaram o fluxo de negociações. "Já estamos sentindo e provavelmente haverá um aumento ainda maior da inflação nos próximos meses", afirmou o presidente da Aprosoja-GO, Adriano Barzotto.
A alta nos preços dos alimentos fez a inflação oficial do país (IPCA) avançar 1,26% em junho, depois de fechar em 0,4% em maio. Levantamento da Confederação Brasileira de Agricultura e Pecuária (CNA) diz que o preço da cesta básica já subiu 12% após o tabelamento de fretes. Segundo a Aprosoja, a inflação deve superar o teto da nova meta do governo federal (5,25%) em 2018, caso ocorra o repasse integral dos aumentos dos transportes para a cadeia produtiva.
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