Em entrevista à Revista SETCESP, Carlos Panzan, presidente da FETCESP (Federação das Empresas de Transportes de Cargas do Estado de São Paulo), falou sobre os efeitos da crise gerada pela COVID-19 às entidades e às empresas do TRC. Para ele, após a pandemia nada voltará a ser como antes, e o momento é de uma grande mudança comportamental
O senhor vem de uma família de transportadores. Conte-nos um pouco como sua história se converge com a do TRC?
A Transporte Americana – TA foi fundada em 1941 pelo meu pai, Afonso Panzan, e meus três primos da família Luchiari. Em 1960, o meu irmão Adalberto Panzan aceitou o convite para entrar como sócio na TA, assumindo a diretoria geral. Em 1976, me convidou para participar da sociedade, – isso juntamente com nossos primos, Celso e Romeu Luchiari. Aceitei a proposta e assim comecei no setor, como supervisor de manutenção e depois passando por todos os departamentos, até assumir a diretoria comercial.
A influência de meu irmão, Adalberto, foi importante para toda a minha carreira na transportadora e também na atuação sindical. Ele sempre me falava da importância das entidades para ajudar o desenvolvimento do transporte. Mas, foi após a morte dele, em 1996, que comecei a participar de forma mais efetiva das entidades, sendo diretor do SETCESP em 2001. Por nove anos fui presidente do Sindicamp (Sindicato de Campinas), de 2005 a 2013. Na FETCESP fui vice-presidente de 2007 a 2018 e no ano passado eleito presidente. Fui conselheiro regional do Sest Senat de 2005 a 2013. Participo de diretorias da NTC&Logística desde 2003.
Considerado um dos defensores na implantação do SEST SENAT, por que o senhor achou necessário o transporte ter um sistema social e de aprendizagem voltado para si?
Um setor tão importante como o transporte rodoviário de cargas precisa de um atendimento direcionado às suas atividades, cujas peculiaridades são diversificadas, necessitando de estrutura e serviços específicos. Com tal propósito as lideranças do setor defenderam no Congresso Nacional a criação do Sest Senat, durante vários anos, no final da década de 1980 e início de 1990. Por fim, o reconhecimento aconteceu com a criação do Sest Senat, em 14 de setembro de 1993, pela Lei 8.706.
Desde então, o Sest Senat não parou de se planejar estrategicamente, com expansão de sua estrutura e oferta de serviços de qualidade, com atendimentos voltados a saúde, qualidade de vida e desenvolvimento profissional dos trabalhadores.
A FETCESP é um polo na cidade de São Paulo do Programa Despoluir, lançado pela CNT (Confederação Nacional de Transportes) e Sest Senat. Quais resultados esse projeto tem alcançado junto às empresas de transportes?
A FETCESP participa do Despoluir – Programa Ambiental do Transporte – desde a sua criação em 2007, pois acredita que é um dos mecanismos para o setor contribuir com a melhoria da qualidade de vida da população e cuidar do meio ambiente através de ações de responsabilidade socioambiental.
Nos 13 anos de projeto realizamos cerca de 120 mil avaliações veiculares ambientais, que são análises técnicas dos níveis de poluentes emitidos pelos caminhões, poluentes altamente prejudiciais à saúde humana e principalmente ao sistema respiratório.
Ao final de cada avaliação os veículos aprovados recebem um selo de Aprovação do Programa. No caso de reprovação a nossa equipe técnica analisa as principais causas da emissão de poluentes excessiva e orienta o motorista para que seja feita a correta manutenção.
O que o senhor pensa a respeito de uma possível Reforma Sindical? Na sua opinião o que poderia mudar?
Acompanhamos o assunto juntamente com as entidades do setor. Em termos legislativos o governo ainda não apresentou a sua proposta de reforma sindical, mas já existe um estudo no Ministério da Economia. O que sabemos que a principal intenção do Governo é acabar com a unicidade sindical, prevista no artigo 8, da CF (Constituição Federal) e que estabelece que somente pode existir um único sindicato numa mesma categoria econômica profissional dentro de uma mesma base territorial. E esta base territorial não pode ser inferior a um município. Entendo que tal proposta não é boa e vai enfraquecer as entidades. Na Câmara dos Deputados tramita a PEC 369, que não é do Governo, que prevê uma fase de transição para a extinção da unicidade sindical e cria uma contribuição compulsória apenas para os sindicatos que negociarem coletivamente.
O mundo passa por um momento único em meio à crise de saúde pela pandemia do coronavírus. Muitos setores tiveram suas operações paralisadas, mas o de transporte foi considerado uma das atividades essenciais do País, como o senhor avalia isso?
O transporte rodoviário de cargas é indispensável para assegurar o abastecimento de gêneros de primeira necessidade (remédios, insumos hospitalares, alimentos, combustíveis e outros) da população, no enfrentamento da pandemia do Coronavírus.
Em razão de ser atividade essencial as entidades do setor têm buscado junto ao Governo Federal tratamento diferenciado e a adoção de medidas emergenciais de flexibilização tributária e fiscal, bem como de medidas de socorro econômico-financeiro com o objetivo de preservar a saúde financeira das empresas.
A carga tributária que recai sobre as empresas de transporte rodoviário de cargas é sabidamente elevada.
As reivindicações de flexibilização do pagamento de tributos no âmbito federal têm encontrado eco, como decorrência da atuação desta entidade junto aos Poderes Executivo e Legislativo da União. O mesmo não vem ocorrendo no âmbito dos Estados, muito embora se saiba da elevada carga tributária que representa para as empresas de transporte o ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços), imposto que é cobrado pelos Estados, com legislação própria em cada uma das unidades da Federação.
Esse tem sido o momento de maior desafio da sua gestão na FETCESP? Quais ações a federação tem realizado para minimizar os efeitos negativos da crise?
Neste momento de crise devido ao novo coronavírus, a FETCESP em sintonia com as entidades nacionais e regionais trabalha em prol das empresas do setor. Não estamos medimos esforços em levar às autoridades regionais, estaduais e nacionais as nossas preocupações, demandas e sugestões.
As entidades, sensíveis às demandas das empresas do setor, têm procurado demonstrar às autoridades que o Programa de Manutenção do Emprego não poderia parar de pé sem que ao mesmo tempo, fosse adotado pelo Governo Federal um programa de suporte econômico financeiro para as empresas, atingidas em cheio pelo isolamento social e o confinamento de todas as pessoas e consequente fechamento de todas as atividades de produção e comércio de bens. O socorro financeiro das empresas tornou-se premente e indispensável para a sobrevivência.
As medidas de flexibilização na área tributária e econômica tem se mostrado insuficientes para a manutenção da saúde financeira das empresas que continuam apresentando novas demandas que são compiladas pelas entidades e encaminhadas às autoridades competentes para o atendimento. Entre essas demandas está sendo encaminhadas pelas entidades sindicais a abertura de linha de crédito para financiamento de capital de giro das empresas.
O que esses acontecimentos, na sua opinião, ensinam sobre a importância do trabalho representativo das entidades de classe?
Devemos sempre manter uma boa estrutura sindical ativa, unida e dotada de reconhecimento das autoridades públicas e privadas. Nos momentos de crise somente as entidades com credibilidade conseguem encaminhar de forma mais adequada as demandas do setor. E isso pode ser observado no transporte rodoviário de cargas. Entendo que o trabalho representativo é essencial em todos os momentos para o fortalecimento do TRC para atuação cada vez assertiva, sobretudo nos momentos de crise.
Há visível desalinhamento entre o Governo Federal e Estadual sobre as medidas para conter a pandemia. Que impacto esses desacordos trazem para a toda a sociedade?
Acredito que os governos federal, estaduais e municipais deveriam deixar de lado interesses individuais e partidários e se unirem neste momento para adoção de medidas eficientes e que promovam maior segurança à vida das pessoas. E ao mesmo tempo definir estratégias para a retomada da economia. A divisão de posições é danosa com consequências drásticas a toda a sociedade.
Inclusive, neste momento os governantes deveriam pensar na reforma administrativa para enxugar o estado. E somente depois avançar estudos na reforma tributária.
Diante deste cenário de recessão, houve uma queda de 41% na demanda do transporte rodoviário de cargas, segundo os dados mais recentes da NTC&Logística. O senhor acredita que uma retomada do setor levará muito tempo?
A queda no volume de cargas tem sido expressiva no transporte rodoviário, com algumas especialidades apresentando maior redução que outras. Sendo muito difícil, neste momento, fazer uma previsão da retomada, uma vez que o setor está totalmente atrelado ao desempenho da economia. No entanto, não acredito em uma rápida recuperação, mas o empresário deve desde já começar se preparar para a pós-pandemia. Observo que várias empresas do setor estão se reinventando, buscando e conquistando maior produtividade e eficiência em suas operações. No entanto, para um melhor resultado, precisamos de mais apoio dos governos, sobretudo financeiro, para a continuidade da prestação de serviços. Afinal o TRC precisa estar estruturado para atender a demanda com a retomada da economia.
A situação tem sido desafiadora, mas desafios também representam oportunidades. Na sua visão, o que de aprendizado pode sair desta crise?
Ouso dizer que vivemos uma revolução comportamental. Nada voltará a ser como era antes nos relacionamentos pessoais e empresárias, na economia, na educação, na política …
Aquele que pensar diferente será ultrapassado e não terá futuro em seus negócios. A tecnologia, que já dominava a vida das pessoas, ganhou novas dimensões no cotidiano de todos os segmentos da economia provocando mudanças no consumo, na relação com os colaboradores das empresas, com fornecedores, clientes. Quando passar essa crise toda a sociedade estará mudada.
Olhando para futuro, qual recado que o senhor gostaria de deixar para o empresário do setor de transporte rodoviário de cargas?
É imprescindível, sempre, se aprimorar, buscar novas tecnologias, aumentar a produtividade. E isso tenho observado, que os empresários do setor estão em busca de modernizar as suas operações.
Os empresários devem se aproximar, cada vez mais, das entidades sindicais levando apoio e propostas para melhorar as condições do nosso setor.
Com união e maior número de pessoas podemos ter mais êxito em nossas demandas.
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