A política de reajustes frequentes da Petrobras no preço do óleo diesel pode ter sido o estopim para a greve dos caminhoneiros, que parou o país por 11 dias. Mas as dificuldades de motoristas autônomos e transportadoras em repassarem para o custo do frete o aumento do combustível expõem uma distorção no mercado de transporte de cargas: há hoje no Brasil um excedente de 300 mil caminhões na frota nacional, segundo dados da consultoria NTC & Logística, entidade que reúne as transportadoras.
A expansão da frota, acelerada por uma política de incentivos do BNDES entre 2009 e 2016, nos governos Lula e Dilma, culminou com uma reversão no cenário econômico do país, com a redução da demanda por transporte de mercadorias. Estudo do consultor Ricardo Gallo, que trabalhou durante duas décadas no BankBoston, estima que o número de caminhões no Brasil cresceu a uma taxa de 5% ao ano entre 2009 e 2016, ampliando a frota para cerca de 2 milhões de caminhões. No mesmo período, a economia brasileira cresceu, em média, 1,1% ao ano. Transitou de um pico de crescimento de 7,5% em 2010 para o mergulho de dois anos seguidos de recessão, com retração de 3,8% e 3,5% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2015 e 2016. Sobrou caminhão, e faltou carga.
Não por acaso, na lista de demandas dos caminhoneiros, estavam uma tabela de preço mínimo de frete e a contratação, concedida pelo governo.
O investimento em caminhões foi incentivado principalmente pelo Programa de Sustentação do Investimento (PSI), pelo qual o BNDES — fortalecido por empréstimos do Tesouro Nacional — financiou a aquisição de 770 mil veículos entre 2009 e 2016 para transportadoras e caminhoneiros autônomos com juros subsidiados.
Em junho de 2009, a taxa de juros do crédito para caminhões no BNDES caiu de 13,5% para 4,5% ao ano. Mais tarde, seria reduzida ainda mais. Em boa parte do tempo, financiou até 100% do valor dos veículos a cerca de 2% ao ano e prazo de até oito anos para pagar. O programa fez parte da estratégia de combater os efeitos da crise financeira global de 2008 estimulando ao mesmo tempo o investimento em bens de capital e a expansão da indústria automotiva pesada. O plano só não previa a recessão que viria logo em seguida.
“O PSI tinha condições muito favoráveis. Então, houve uma verdadeira corrida. Todo mundo comprou caminhão numa época em que se esperava que a economia cresceria pelo menos 4% ao ano por vários anos consecutivos. E aconteceu o contrário. Hoje, os caminhões enfrentam dois problemas: uma enxurrada de veículos, o que pressiona o frete para baixo, e diesel alto”, resume Neuto Gonçalves, diretor técnico executivo da NTC & Logística.
Produção de veículos pesados despencou
No meio desse descasamento entre oferta e demanda, ficaram muitas transportadoras com caminhões novos parados no pátio e motoristas autônomos, que têm ainda prestações de um caminhão para pagar.
Dados da Anfavea, entidade que representa as montadoras, mostram o efeito anabolizante do PSI na produção de caminhões. Nos anos anteriores ao financiamento, a fabricação de carretas era similar à de hoje, em torno de 70 e 90 mil unidades. Em 2011, essa produção bateu o recorde histórico de 229,1 mil unidades fabricadas. Com a retração da economia, no entanto, os números caíram a 77,7 mil em 2015, com o PSI ainda ativo. De lá parra cá, a indústria automotiva pesada se manteve ociosa e teve de demitir empregados.
Perguntado se a manutenção do PSI por um longo período — resultando numa oferta excessiva de caminhões — pode ser apontado como um dos fatores da crise dos caminhoneiros ao lado do diesel, o presidente do BNDES, Dyogo Oliveira, isentou a atuação do banco:
“O problema não é excesso de caminhão, mas falta de PIB”.
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