Por Heitor Coutinho, professor da FDC
É de amplo saber que o conceito de estratégia (do grego stratègós: stratos = exército e ago = liderança) surgiu da guerra, mais precisamente da arte do general, e desde os anos 60 tem sido utilizado, de forma bem-sucedida, pela maioria das organizações. Seus pressupostos continuam a reverberar a clássica lógica da competitividade: é preciso reduzir o poder da concorrência e criar barreiras ao negócio. Da estratégia surgem as fontes de vantagem competitiva que, para serem sustentáveis no longo prazo, se estabelecem pelo posicionamento de mercado ou se baseiam em recursos, ambos raros, valiosos e difíceis de imitar.
Dessa explanação, pode-se assegurar duas decorrências. Primeiramente, a crível possibilidade de sustentação no longo prazo. Por isso as organizações realizam planejamento estratégico com visão de futuro distante. É concebível planejar estrategicamente um horizonte que se realizará, mesmo com alguns desvios. A expressão “planejamento estratégico”, utilizada, portanto, há mais de 50 anos, se tornou indivisível. Assim como marcas que se tornaram sinônimo de produto, como a Gillette, estratégia sempre foi comumente traduzida por planejamento, embora sejam sujeitos absolutamente distintos.
A segunda decorrência vem da necessidade estratégica das organizações serem diferentes, únicas ao criar valor. Assim, para se obter vantagem competitiva é necessário criar mecanismos singulares de atuação para estar sempre protegido no ambiente competitivo e para manter atratividade no mercado. Como numa guerra, estamos apartados de um lado, confiantes pela estratégia que nos diferencia e nos traz vantagens superiores na competição com os outros. O objetivo é vencê-los. Dessa forma, as empresas seguiram métodos prescritivos e avançaram adiante com o desafio da execução, não menos penoso, para fazer a estratégia funcionar na prática organizacional.
Entretanto, já há algum tempo, é também de conhecimento amplo que o mundo dos negócios está se tornando mais imprevisível, pela incerteza dominante, complexo e, por vezes, dinâmico. Nada disso é prognóstico, é a pura constatação para um volume expressivo de setores econômicos em todo o mundo. A nova realidade que se configura nos traz dificuldades, uma vez que os desafios subiram de patamar e importantes mecanismos de gestão até então praticados, tendem a se tornar menos efetivos ou obsoletos, como o planejamento. Portanto, há muito para se aprender com a nova dinâmica dos negócios. Por outro lado, abre-se um vasto campo de oportunidades, que deverão ser capturadas por novos players, entidades econômicas ou por aqueles que tiverem agilidade.
São apropriadas as questões que sobressaem dessa reflexão e colocam em dúvida a efetividade e adequação das abordagens tradicionais. As empresas deveriam continuar sendo únicas, suportadas por suas capacidades e posicionamento? Deveriam permanecer atuando num único setor, competindo para vencer a concorrência? O que elas têm capacidade de oferecer aos clientes é o melhor para atender às suas necessidades? Ou existem outras formas que poderiam trazer melhores resultados?
Na verdade, nenhuma organização é uma ilha. Atuando sozinha ou numa composição em sua cadeia de valor, em ambientes de negócios caracterizado por arranjos fluidos e interativos, esse tipo de estrutura pode ter seu desempenho comprometido. Um ecossistema de negócios é uma comunidade econômica composta por um conjunto de serviços interconectados, permitindo que os usuários atendam a uma variedade de necessidades em uma experiência integrada, composta por diversos atores. Estamos falando de uma integralidade positiva, uma simbiose, com alto nível de agregação.
É hora de se libertar das estruturas tradicionais e olhar a organização como um componente de uma plataforma dinâmica de ativos valiosos, que pode ser composta de diferentes maneiras, de diferentes parceiros, setores e transações. Assim, as jornadas dos clientes poderão ser completamente repensadas e reformuladas. E sua estratégia de crescimento estará apoiada por um movimento consistente, de uma forma que não seria possível. O poder do ecossistema está no valor superior que ele gera, maior do que o valor combinado que cada organização pode contribuir individualmente.
As fronteiras claramente definidas pelas empresas estão desaparecendo. É preciso enxergar além de seus muros, pois a era dos ecossistemas de negócios já começou. E, para isso, as organizações necessitam saber quais aspectos elas podem abordar de forma autônoma e quais exigem cooperação para atender às necessidades do cliente em toda a extensão.
Nível de Novidade – O termo ecossistema vem sendo usado por organizações há mais de 20 anos. O que mudou foi a declaração explícita de organizações como orquestradoras ou players de ecossistemas inovadores, a maioria deles viabilizada pela transformação digital, como o Alibaba. A velocidade da criação de ecossistemas é outro aspecto a ser observado, assim como as novas formas de competição por meio desses, onde há disrupção e maior captura e criação de valor no mercado. Essas organizações têm adotado um conjunto diferente de regras. Em vez de cada empresa construir sua estratégia isoladamente, elas estão agindo com um mindset de cooperação e composição estratégica.
Relevância técnica – Os ecossistemas estão enriquecendo a experiência de consumidores, clientes e de outros stakeholders. Essa configuração fortifica e dá consistência às estratégias, tornando-as mais valiosas.
Trata-se de uma perspectiva distintiva em muitos aspectos. É naturalmente mais dinâmica por ser coevolucionária, mais colaborativa, gera mudanças inesperadas, reversões e consequências não intencionais e aumenta a possibilidade de inovação conjunta para o mercado.
Conclusões
Os ecossistemas de negócios não representam o fim das estratégias clássicas, que são as mais adequadas para as organizações que estão em setores previsíveis e sujeitos à menor volatilidade. Sua constituição pode acontecer tanto no ambiente real de negócios como no digital. Esse último tem alavancado substancialmente a possibilidade de conexão entre diferentes organizações, plataformas e sistemas.
Para que as estratégias sejam abertas e adaptativas aos ambientes dinâmicos é fundamental considerar a existência ou criação de ecossistemas no contexto dos negócios. Essa visão certamente irá revigorar a direção estratégica e seus modelos de negócio, que suportarão a inovação e o crescimento consistente das organizações.
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