Crise ao volante: a escassez de motoristas desafia o transporte de cargas no Brasil. Quais as saídas?
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O envelhecimento da categoria, o desinteresse dos jovens e a falta de políticas públicas colocam em risco a logística nacional, baseada no transporte rodoviário de cargas. Empresas, sindicatos e governo buscam soluções para manter o país em movimento.

O transporte de cargas no Brasil vive um cenário desafiador com a expressiva redução no número de motoristas de caminhão e carreta. Pesquisa da Confederação Nacional do Transporte (CNT) revela que a falta de motoristas qualificados é o principal entrave para 65% das empresas do setor.

Já dados do Registro Nacional de Condutores Habilitados da SENATRAN – Secretaria Nacional de Trânsito indicam uma queda de 20% no número de motoristas habilitados nos últimos dez anos, passando de 5,5 milhões, em 2013, para 4,4 milhões, em 2023. Além disso, a idade média desses profissionais subiu para 53,5 anos, evidenciando o envelhecimento da categoria. Ou seja, há escassez de motoristas no transporte de cargas. Quais as saídas? Este é o tema desta matéria especial de Logweb.

Sérgio Luiz Hoeflich, que integra as consultorias Intermercados e YOD7, aponta três fatores que se destacam na desmotivação para o ingresso na profissão e motorista profissional:

a) As condições de trabalho: Longas jornadas, estradas inseguras, falta de infraestrutura adequada para descanso e baixa remuneração e inexistência de oportunidades de progressão profissional, além dos altos riscos percebidos, sabendo-se que no Brasil foram registrados 10.478 casos de roubo de cargas no ano de 2024, segundo a NTC&Logística.

b) O custo para iniciar na profissão: Com o investimento inicial para obter habilitação variando entre
R$ 2.000 e R$ 5.000, dependendo do estado, e adquirir um veículo próprio – exemplo: um cavalo-mecânico trucado pode custar cerca de R$ 900.000 e um semirreboque carga seca pode chegar a R$ 280.000 – são valores significativamente elevados que dificultam o acesso para novos profissionais.

c) A seleção adversa realizada para os condutores de veículos de carga, que são admitidos atendendo aos critérios de confiabilidade, considerando os históricos profissionais e a experiência na rota que atuam na composição do perfil securitário exigido nos processos de gerenciamento dos riscos, para a governança das apólices de seguros de cargas.

Thelis Botelho, CEO da CarboFlix, também aponta que essa retração expressiva do número de motoristas habilitados está ligada a um conjunto de fatores estruturais. A mão de obra no setor envelheceu e não houve uma renovação proporcional, sobretudo pela baixa atratividade da profissão entre os jovens. A rotina é exaustiva – muitas vezes ultrapassando 12 horas de jornada, com longos períodos longe de casa – e frequentemente associada a problemas crônicos de saúde, como hipertensão, dores na coluna e distúrbios metabólicos. Soma-se a isso a baixa sensação de segurança nas estradas e a escassez de políticas de incentivo à formação e valorização profissional.

“O estímulo à entrada de novos profissionais, especialmente de jovens em situação de vulnerabilidade, pode ser uma alternativa eficaz. Subsidiar a habilitação e a capacitação técnica desses grupos, por exemplo, seria um caminho estratégico para repor a força de trabalho e oxigenar o setor. Trata-se de uma agenda urgente, com impactos diretos na sustentabilidade da logística nacional”, diz Botelho.

Carlos Panzan, presidente da FETCESP – Federação das Empresas de Transportes de Cargas do Estado de São Paulo, também diz que a redução no número de motoristas habilitados é reflexo de uma combinação de fatores estruturais, sendo a falta de qualificação e requalificação profissional um dos mais urgentes. A evolução tecnológica dos veículos impôs novas exigências que os treinamentos atuais ainda não acompanham. Além disso, há uma diminuição do interesse dos jovens pela profissão, em grande parte pela falta de incentivo e valorização adequada da atividade, o que preocupa todo o setor. De acordo com Panzan, é preciso reconhecer que a profissão de motorista é essencial para o funcionamento da economia nacional e, portanto, precisa de políticas consistentes para atrair novos talentos.

Indo mais além, Marcelo Rodrigues, presidente do Conselho Superior e de Administração do SETCESP – Sindicato das Empresas de Transportes de Carga de São Paulo e Região, destaca que a falta de motoristas não é algo exclusivo do nosso país. Conforme pesquisa realizada pela IRU (Organização Mundial do Transporte Rodoviário), o mundo todo soma mais de três milhões de empregos de motorista de caminhão não preenchidos. Este cenário se deve, principalmente, à não atratividade da profissão pelos jovens, que buscam carreiras mais dinâmicas e lucrativas em curto prazo.

Impactos do envelhecimento da categoria

Hoje, mais de 40% dos motoristas profissionais têm mais de 60 anos, o que revela uma urgência na renovação da força de trabalho. Esse envelhecimento compromete não só a operação diária das transportadoras, mas também coloca em risco o futuro da logística nacional.

Panzan, da FETCESP, é enfático: o transporte de cargas é coluna vertebral da economia brasileira, e garantir a continuidade da profissão é uma missão estratégica. “Precisamos reconstruir uma cultura em que ser motorista profissional seja um caminho digno, valorizado e promissor para as novas gerações.”

Joyce Filus, diretora da Ghelere Transportes, também destaca que o motorista segue sendo essencial para a manutenção das operações de uma empresa logística, e o envelhecimento da categoria tem impactos importantes quando contrastados com a alta demanda de habilidades com tecnologia embarcada que hoje os veículos apresentam.

O trabalho constante de treinamento de direção ganha novas proporções no que tange ao conhecimento sobre rastreadores, macros, aplicativos, checklists online e cumprimento de procedimentos de clientes que demandam contato com componentes tecnológicos, o que pode acabar por afastar esses colaboradores da atividade antes do período previsto, por falta de adaptação ao novo ambiente de trabalho.

“Outro impacto relevante e claro para o setor que é proveniente do envelhecimento da categoria é que a reposição dessas pessoas na função não é compatível com o crescimento da frota de veículos pesados e tem gerado escassez de mão de obra”, destaca Joyce.

A questão da tecnologia também é apontado por Vinicius M. Seraco, diretor de Gestão de Risco da SOLIST Corretora. Cada vez mais os caminhões e os equipamentos de gerenciamento de risco exigem elevado conhecimento técnico dos motoristas. Nesse sentido, os mais idosos têm dificuldade em se adaptar e performar com a excelência que alguns ramos necessitam, como, por exemplo, o transporte de combustíveis que, devido ao alto risco das operações, exige sistema de câmeras com sensor de fadiga e telemetria, além do rastreamento e monitoramento com baixos níveis de tolerância a erros do motorista.

Outro ponto destacado por Seraco é a rotina tóxica a que estão sujeitos os motoristas no Brasil devido a fatores como qualidade na alimentação, deficiência de sono e stress, além de problemas gástricos e ortopédicos generalizados. “Todos esses fatores, com a idade, se agravam ainda mais, elevando a possibilidade de acidentes e impactos severos na saúde, elevando os custos das empresas.”

Menos atratividade

Por outro lado, os jovens têm deixado de ver a profissão de motorista de caminhão como uma opção viável. Isso acontece, em parte, de acordo com Panzan, da FETCESP, porque falta um modelo claro de desenvolvimento profissional, com plano de carreira, reconhecimento e estímulo à qualificação. “Quando um jovem observa seu pai, que trabalhou a vida inteira como motorista sem apoio ou progresso, ele naturalmente busca outro caminho. É nosso dever, como representantes do setor, reverter essa percepção e construir um ambiente profissional mais estruturado e valorizado.”

Já Rodrigues, do SETCESP, pontua que o mundo mudou e, com isso, novas profissões surgiram e se tornaram mais atrativas para os jovens, como as relacionadas ao entretenimento, esportes. “Se, antigamente, a profissão de motorista profissional era algo passada de ‘pai para filho’, hoje, os próprios motoristas não querem que seus filhos atuem na mesma profissão.”

Além disso, a falta de segurança pública, remuneração não atrativa em comparação às novas profissões e, principalmente, o tempo longe de casa, são fatores de grande impacto para as novas gerações que valorizam muito o equilíbrio entre a vida profissional e pessoal.

“Temos observado que hoje, e em especial após a pandemia, as pessoas tem valorizado cada vez mais o tempo de qualidade com a família e os momentos de lazer, e quando falamos em um motorista carreteiro, que faz longas distâncias, existe inegavelmente o comprometimento parcial desses momentos, que são espaçados por períodos maiores de viagem. Nesse panorama, lidar com sentimentos como saudades, a distância dos entes queridos e a perda eventual de datas especiais pesa quando se escolhe esta como sua profissão.”

Soma-se a isso – ainda na opinião de Joyce, da Ghelere Transportes –, ambientes eventualmente precários nas estradas, em postos ou paradas e falta de conforto, situações às quais as pessoas mais jovens já não se sujeitam, é uma geração com outros valores e princípios que tem muito mais delineado seus interesses e exigências, pois cresceram com uma visão muito diferente de gerações anteriores.

Motoristas estrangeiros

A contratação de motoristas estrangeiros também é uma alternativa discutida, mas que enfrenta barreiras legais consideráveis. Evelyn Martins, consultora de Riscos Logísticos na SIGA Gerenciamento de Risco, lembra que questões como a revalidação de CNH, exigências de residência e adaptação cultural tornam essa solução viável apenas em casos excepcionais. Mesmo assim, para garantir a qualidade e a segurança das operações, essa prática precisaria ser acompanhada de treinamento adequado, conforme as normas brasileiras.

“Embora essa possibilidade exista em termos conceituais, sua aplicação em larga escala esbarra em uma série de entraves legais e operacionais. É necessário visto de trabalho, revalidação da carteira de habilitação, fluência no idioma e conformidade com normas sindicais e regulatórias locais. Além disso, há desafios relacionados à integração cultural e à familiaridade com a malha rodoviária brasileira.”

Sem uma revisão legislativa cuidadosa e acordos bilaterais específicos – continua avaliando Botelho, da CarboFlix –, essa solução tende a ter alcance limitado. “A prioridade, nesse contexto, deve ser a valorização e renovação da força de trabalho nacional, com incentivos concretos e políticas estruturadas de formação e permanência.”

Também para Panzan, da FETCESP, a importação de motoristas estrangeiros pode parecer uma solução paliativa, mas levanta preocupações legítimas. A qualificação técnica desses profissionais é um ponto crítico – não podemos substituir uma carência com outra. “O que defendemos na FETCESP é que, caso essa alternativa avance, ela esteja sempre acompanhada de processos rigorosos de capacitação, alinhados à tecnologia embarcada nos veículos brasileiros. O foco principal, no entanto, deve continuar sendo a valorização e formação da mão de obra nacional.”

Como pode ser constatado, a contratação de estrangeiros como motoristas é viável desde que o profissional esteja com sua documentação regular, principalmente visto de trabalho e habilitação equivalente ou adequada às exigências brasileiras. “Porém – diz Rodrigues, do SETCESP –, somente esta ação não é suficiente para suprir a escassez de motoristas, é necessário considerar, também, outros públicos, como as mulheres – que ainda são minoria, mas cresceram 30% em número de habilitações na categoria ‘E’ nos últimos 4 anos, segundo levantamento feito pelo movimento ‘Vez & Voz – Mulheres no TRC’ com dados da SENATRAN.”

É importante destacar que ainda não foram formalizadas políticas de facilitação para a obtenção de vistos e autorizações de trabalho, havendo reconhecimento mútuo de carteiras de habilitação estrangeiras e reconhecimento recíproco de habilitações entre Brasil e países do Mercosul. Além dos entraves relativos às habilitações profissionais para além dos países do Mercosul e as autorizações de trabalhos, há também a exigência do motorista profissional estar cadastrado para ser fiel depositário durante a realização dos transportes de cargas, cuja operações são cobertas por apólices de seguros, explica agora Hoeflich, das consultorias Intermercados e YOD7.

“Os processos de adequação dos perfis securitários aos padrões de garantias contratados nas apólices de seguros tornam mais complexo para os motoristas estrangeiros a apresentação dos documentos necessários para cumprir os requisitos de conformidade, resultante da analise dos riscos dos contratos de seguros”, completa.

Palavra dos sindicatos e associações

Sobre o que dizem os sindicatos e associações da categoria sobre o uso de mão de obra estrangeira no transporte rodoviário, Seraco, da SOLIST Corretora, lembra que há uma preocupação quanto à qualificação dos motoristas estrangeiros, haja vista a complexidade da legislação de trânsito brasileira. “Pela nossa legislação, motoristas estrangeiros podem usar sua habilitação por até 180 dias, após esse período são obrigados a obter a Carteira Nacional de Habilitação.”

Há também uma apreensão em relação à remuneração de motoristas estrangeiros que, por estarem numa situação financeira muito vulnerável, podem ser mais suscetíveis a remunerações menores, promovendo uma deflação na faixa salarial, agravando ainda mais a crise no setor.

A questão, assim como a crise no setor, é complexa, salienta o diretor de Gestão de Risco da SOLIST Corretora. “A entrada de imigrantes no setor, por mais que traga desafios, pode, em alguma instância, ajudar a minimizar o enorme déficit de profissionais que o setor de transportes enfrenta.”

Falando com bastante conhecimento de causa, Panzan, da FETCESP, ressalta que os sindicatos têm sido parceiros estratégicos nesse debate. Há um entendimento conjunto de que a prioridade deve ser a requalificação da mão de obra brasileira, que já possui experiência, mas precisa ser atualizada diante das mudanças tecnológicas do setor. “Inclusive, em São Paulo, sindicatos têm buscado ativamente essa parceria com empresas e instituições para capacitar seus profissionais. Isso mostra um compromisso coletivo com a excelência e segurança do transporte nacional.”

A contratação de profissionais estrangeiros é uma alternativa viável para suprir a demanda, porém é essencial termos políticas públicas que facilitem a obtenção de vistos e autorizações de trabalho para que as empresas façam a contratação de forma legal e segura juridicamente, diz, agora, Rodrigues, do SETCESP. E, além disso, as empresas também precisam garantir a integração, principalmente cultural, destes profissionais, na organização.

Tecnologia

Se a adoção de tecnologias pode afastar os profissionais com mais idade, como já citado, por outro lado, tem potencial para mitigar diversos gargalos do transporte rodoviário, especialmente frente à escassez de motoristas.

Sistemas de descarbonização de motores, por exemplo, aumentam a eficiência dos veículos e podem reduzir o consumo de combustível em até 10%, o que impacta diretamente os custos operacionais.

Outro recurso relevante são os aplicativos multifuncionais, que oferecem suporte psicológico, assistência mecânica, capacitação profissional e acesso a serviços de saúde – promovendo bem-estar e retenção da força de trabalho. Tecnologias como checklists digitais e manutenção preditiva também ajudam a prevenir falhas e aumentam a segurança.

 

 

“Essas ferramentas não apenas tornam o sistema mais eficiente, como também contribuem para reposicionar a profissão de modo que esteja alinhada às exigências contemporâneas de mobilidade, conectividade e sustentabilidade”, aponta Botelho, da CarboFlix. 

Para Evelyn, a tecnologia surge como aliada fundamental nesse cenário. “A SIGA tem adotado tecnologias de ponta, como sistemas de validação de cadastro, biometria e geolocalização para otimizar a gestão de motoristas e garantir a segurança operacional. A validação em tempo real – com base em informações como histórico de motorista, tempo de serviço e desempenho em estradas – permite identificar potenciais riscos e fazer correções imediatas. A aplicação dessas tecnologias contribui para reduzir a necessidade de motoristas inexperientes, ao mesmo tempo em que fortalece o processo de seleção e contratação.”

Os caminhões autônomos, embora promissores, ainda enfrentam desafios significativos no Brasil, como a infraestrutura precária e a falta de regulamentação, também aponta a consultora de Riscos Logísticos na SIGA Gerenciamento de Risco. No entanto, esses veículos indicam um futuro no qual o transporte de longa distância poderá ser parcialmente automatizado, o que ajudaria a aliviar a pressão sobre a escassez de motoristas qualificados.

Custos logísticos

Outro fator a ser observado com esta situação é que o aumento nos custos logísticos causado pela escassez de motoristas já está afetando o preço final dos produtos transportados. “A redução da força de trabalho, combinada ao envelhecimento da frota – que, em muitos casos, ultrapassa 20 anos – pressiona os custos operacionais do transporte rodoviário. Esse aumento se reflete no preço do frete, impactando diretamente o valor final dos produtos, especialmente os itens de consumo essencial, como alimentos”, adverte Botelho, da CarboFlix.

Considerando que mais de 80% das cargas no Brasil são transportadas por rodovias, a escassez de motoristas representa um risco sistêmico para toda a cadeia produtiva. Exemplo desse efeito cascata foi a greve dos caminhoneiros que ocorreu em 2018, quando o abastecimento foi comprometido e os preços dos alimentos dispararam, lembra o CEO da CarboFlix.

O impacto da escassez de motoristas é real e tem reflexos diretos na eficiência e nos custos operacionais do transporte, o que, inevitavelmente, pode chegar ao consumidor, também aponta Panzan, do FETCESP. No entanto, diz ele, o setor tem buscado mitigar esses efeitos com ações de qualificação e reestruturação de processos. “Precisamos tratar essa questão com a devida seriedade, pois logística eficiente significa competitividade econômica. E isso começa com profissionais bem formados, reconhecidos e integrados à inovação do setor.”

Evelyn, da SIGA Gerenciamento de Risco, lembra, antes de analisar o assunto, que a escassez de motoristas profissionais no Brasil não é apenas um obstáculo temporário: ela se aprofundou ao longo da última década e hoje representa um dos maiores gargalos logísticos do país. “Esse fato provoca a elevação dos custos com frete, a redução da disponibilidade de viagens e uma necessidade crescente de que embarcadores e transportadoras aceitem custos mais altos. De acordo com um estudo recente da CNT (Confederação Nacional do Transporte), os custos logísticos podem representar até 12% do valor de alguns produtos, com a escassez de mão de obra sendo um dos principais fatores dessa elevação.”

Medidas adotadas

As empresas, junto ao Sistema S, especialmente o SEST-SENAT, têm se empenhado fortemente em programas de capacitação técnica e comportamental, além da requalificação de profissionais fora do mercado. Há também um movimento crescente no sentido de implantar planos de carreira, benefícios e ações de valorização contínua, que promovem maior retenção e comprometimento. “A FETCESP tem incentivado essas práticas, pois entendemos que o capital humano é o ativo mais estratégico do transporte rodoviário”, diz Panzan, sobre quais seriam as medidas que estão sendo adotadas pelas empresas para atrair e reter motoristas qualificados.

Atualmente, a maioria das empresas possui programas de desenvolvimento internos conhecidos popularmente como “Escola de Motoristas”, para desenvolver talentos internos e, assim, suprir a demanda de vagas em aberto. Além disso, continua Rodrigues, do SETCESP, muitas delas também possuem programas de remuneração variável que levam em consideração metas de segurança, condução econômica e prazos de entrega.

“Aqui na Ghelere, há 3 anos temos a formação interna de condutores, oportunidade na qual aqueles que chegam sem experiência são formados em cursos práticos e teóricos e depois são acompanhados por nossos master drivers por 30 dias integralmente para o desenvolvimento de suas habilidades, bem como entendimento de nossas operações. Após isso, os próximos seis meses são de acompanhamento bastante próximo, a fim de garantir o sucesso desse aluno dentro da empresa.”

Ainda segundo Joyce, nesses três anos já formaram 207 profissionais, muitos dos quais seguem na transportadora, sendo que alguns já se tornaram master drivers. “Além disso, é parte integrante da política logística o cuidado com datas especiais, o treinamento constante da equipe interna em comunicação e atendimento ao cliente interno que é o motorista, e o desenvolvimento de mecanismos de retenção como gamificação e reconhecimento de colaboradores não só pelo tempo de empresa, mas também pelo desempenho operacional apresentado.”

De fato, Seraco, da SOLIST Corretora, nota que as empresas mais bem-sucedidas nesse quesito são as que oferecem melhores remunerações em relação à salário, benefícios e, principalmente, bonificações extras com base na medição de desempenho. Além disso, oferecem equipamentos de trabalho (veículos) mais novos e possuem a preocupação em manter a manutenção preventiva em dia, o que se traduz em mais segurança para os motoristas. “Essas empresas são minoria e não sentem a crise da falta de motoristas, pelo contrário, possuem uma fila de profissionais querendo ser contratados. Aqui, pela corretora, procuramos colaborar com nossos clientes oferecendo capacitação profissional para os motoristas através de treinamentos de direção defensiva e prevenção de roubo e acidentes. Também implementamos campanhas de premiação para os motoristas mais bem ranqueados no quesito gerenciamento de riscos”, diz o diretor de Gestão de Risco.

Formação profissional

Como já mencionado, programas de formação profissional, como os oferecidos pelo SEST SENAT, têm sido eficazes para reverter o cenário.

Hoeflich, da Intermercados e YOD7, lembra que os cursos especializados oferecidos pelo SEST SENAT são o de Transporte de Produtos Perigosos (MOPP), que capacita os motoristas no transporte de cargas perigosas, com foco em legislação, segurança e primeiros socorros, e o de Transporte de Cargas Indivisíveis, que capacita o motorista a transportar cargas de grande porte e indivisíveis, com foco em legislação, segurança e procedimentos específicos. 

Existe também a Fundação Adolpho Bósio de Educação no Transporte (Fabet), que é uma instituição que oferece treinamento para o desenvolvimento do transporte. Ela oferece cursos para motoristas habilitados na categoria “E”, sem experiência em nenhum tipo de veículo.

O curso de entrada é o Caminhão Escola Básico, no qual o participante precisa realizar a avaliação veicular acompanhado do Instrutor, e se aprovado na avaliação ingressará no curso de 11 dias. Após concluir o curso é encaminhado para a prática supervisionada, durante mais 15 dias, sendo acompanhado de Instrutor.

O curso de formação de condutores de veículos articulados e biarticulados exige que profissionais do volante sejam experientes no transporte de cargas

O programa prioriza a formação de profissionais já experientes em veículos truck, preparando-os para conduzir veículos articulados, e também capacita profissionais experientes em veículos articulados para assumirem novos desafios ao dirigir veículos biarticulados.

O pré-requisito para efetivar a matrícula nos cursos é que o motorista deve comprovar ser portador de CNH categoria “E” e obter a aprovação em teste veicular realizado previamente ao ingresso no curso. Estes cursos permitem obter aprovação no cadastro das gerenciadoras de risco, além de seguros.

“Considerando que os cursos oferecidos por estas instituições são complementares à formação básica, não há evidências de que venham a contribuir sobremaneira na oferta incremental de motoristas que estejam na fase inicial de capacitação profissional. Permanece o desafio da formação de motoristas para mitigar os riscos de um apagão logístico, por conta de ausência de um programa de estímulo na formação de profissionais habilitados”

Hoeflich destaca que cada tipo de caminhão atende aos diferentes perfis operacionais do transporte, considerando as características da carga. Em geral, a escolha da frota e dos condutores adequados exige uma análise detalhada do tipo, volume e, até mesmo, do valor da carga, da logística envolvida, dos riscos identificados e gerenciados em cada operação.

“Esses programas têm papel importante e já demonstram impactos positivos, especialmente na qualificação e atualização dos profissionais em atividade. No entanto, ainda não são suficientes para reverter, isoladamente, a tendência de escassez. A média etária da categoria permanece elevada e o número de jovens que ingressa na profissão continua aquém do necessário”, complementa Botelho, da CarboFlix.

A formação técnica é um componente essencial, mas precisa estar integrada a uma agenda mais ampla – que envolva valorização da carreira, modernização das condições de trabalho, apoio à saúde física e mental dos motoristas e ampliação do acesso à profissionalização em regiões com baixo índice de inclusão social. “É esse conjunto de fatores que poderá tornar o setor mais atrativo e sustentável no médio e longo prazo”, diz o CEO.

Embora essenciais, estes programas de formação precisam ser acompanhados por políticas públicas e incentivos concretos para garantir que os motoristas formados consigam ingressar no mercado. “A SIGA acredita que a capacitação contínua e o incentivo à contratação de motoristas qualificados são fatores-chave para reduzir os impactos da escassez. No entanto, a formação deve ser acompanhada por uma análise cuidadosa do perfil do motorista, com ênfase na experiência e na segurança”, diz Evelyn.

A solução para esse problema complexo exige um esforço colaborativo entre o setor privado, o governo e as entidades de formação profissional. “O setor de transporte precisa transformar a profissão de motorista, tornando-a mais digna, segura e viável. Isso demanda mudanças estruturais, mas também ações práticas e imediatas. Caso contrário, o custo da inação continuará sendo absorvido por toda a cadeia logística – e, no final, por todos nós, consumidores”, diz a consultora de Riscos Logísticos.

Modelo de contratação de motoristas deve mudar no Brasil, alerta ILOS

Segundo pesquisa desenvolvida pelo Instituto de Logística e Supply Chain (ILOS), o modelo de contratação de motoristas para operações de transporte deve mudar no Brasil nos próximos anos. Segundo Mauricio Lima, sócio-diretor do ILOS, o Brasil está com poucos motoristas jovens em início de carreira e com uma concentração maior nas idades mais avançadas, o que tem levado ao envelhecimento da categoria profissional. “De 2018 a 2021, nota-se uma queda constante em relação à quantidade de motoristas disponíveis no País”. 

Em 2024, a porcentagem de condutores com até 30 anos de idade foi de 4,11%, enquanto a de condutores com mais de 70 anos foi de 11,05%. Para Lima, essa situação não é recente, visto que o setor reconhece a crescente dificuldade em renovar esses profissionais, especialmente no modelo brasileiro de contratação autônoma. Lima acredita que não vão faltar motoristas, mas o que deve acontecer é uma mudança no atual modelo de contratação. “Atualmente esse modelo se baseia no motorista autônomo, que além de prestar o serviço também investe na compra do caminhão. Isso deve ficar cada vez mais raro nos próximos anos”

Segundo Lima, o Brasil tem mecanismos para alavancar a entrada de novos motoristas no mercado, mas a tendência é de que as empresas tenham que investir na compra dos veículos, diferente do que acontece atualmente. Isso já acontece em algumas praças específicas do país, principalmente no interior.

Idade por quantidade de motoristas de caminhão 2024

18 a 30 anos – 181.000

31 a 40 anos – 576.000

51 a 60 anos – 1.223.000

61 a 70 anos – 898.000

Mais de 70 anos – 468.000

 2014 a 2024

Na última década, a pesquisa da ILOS identificou que, de 2014 a 2024, o Brasil viu a quantidade de motoristas cair 20%. Em 2014, existiam 5,5 milhões de condutores de caminhão no País. Já em 2024, apenas 4,4 milhões continuam em atividade. Segundo Lima, quem é motorista não larga a profissão, portanto, o grande problema não é a saída dessas pessoas para outros setores, mas sim atração de novos talentos.

Caminhões

Pelo lado da oferta de transportes, o Brasil dá sinais positivos com o aumento no licenciamento de caminhões, que chegou a 120 mil novos veículos em 2024, alta líquida de 65 mil veículos. “Não temos gargalo em relação à disponibilidade de veículos, mesmo com o aumento na demanda por novos caminhões. Entretanto, o sinal de alerta fica para a oferta futura de motoristas de carga”, conclui.

 


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