O e-commerce brasileiro, segundo a Neotrust, faturou R$ 161 bilhões em 2021, número que representa uma alta de 27% em comparação com o ano de 2020. A movimentação do setor, porém, apresenta um crescimento que, na visão de transportadores do segmento, é um sinal de estabilização por conta do retorno à normalidade proporcionado pelo fim do isolamento social.
Para Guilherme Juliani, Diretor da especialidade de transporte de e-commerce do Sindicato das Empresas de Transportes de Carga de São Paulo e Região (SETCESP) e CEO do Grupo MOVE3, este ano será desafiador para o setor. Entre as preocupações do executivo, está a questão do crédito financeiro para as transportadoras, que vem sendo dificultado pelo efeito da crise das Lojas Americanas.
Juliani também comentou a respeito da Medida Provisória (MP) 1.153, que tem sido motivo de debate entre embarcadores e transportadores. “Estamos preparando tudo para os dois sentidos: a lei ser aprovada ou não. Do nosso ponto de vista, temos que estar preparados para o pior e torcer pelo melhor”, comenta.
Guilherme, hoje no comando do comitê das transportadoras para e-commerce associadas ao SETCESP, conta, com exclusividade ao portal Frota&Cia, a visão geral de um setor que prosperou nos últimos anos, mas que enfrenta diversos desafios econômicos atuais e outros ainda por vir.
Frota&Cia: Como funciona a atuação do Setcesp dentro da especialidade de transporte de e-commerce?
Guilherme Juliani: Formamos um grupo com as principais empresas de transporte do mundo do e-commerce do porta a porta, que é a entrega B2C. O objetivo desse grupo é que possamos unificar algumas regras que existem no setor. Pelo crescimento que o e-commerce teve, aconteceu uma entrada muito grande de empresas nesse setor e nem todas conheciam, mais ou menos, a dinâmica para poder atuar nele. Então, desconheciam como funciona uma tabela de preço, como funcionam as regras de seguro, algumas práticas de cobrança de cubagem, devolução de CT-e (Conhecimento de Transportes Eletrônico), entre outros. Ou seja, muitas empresas tinham dúvida de como entrar nesse setor, porque ele é muito diferente do setor tradicional de transportes que, geralmente, o transportador tem uma carreta, enche ela, gera um conhecimento para o cliente e faz o fretamento final. No e-commerce, o caminhão sai com 50 mil CT-e, então é uma dinâmica muito diferente. Criamos esse grupo para tentar tirar as dúvidas dessas empresas que estavam entrando e para quem já estava no setor. Tentamos unificar a formatação das políticas das empresas para tratar com os clientes do setor.
Frota&Cia: Quais as dificuldades do segmento atualmente?
Guilherme Juliani: As dificuldades são inúmeras. Tem as dificuldades da logística reversa, hoje, que tem uma parte fiscal difícil de fechar o procedimento para trazer a mercadoria com uma simples declaração de conteúdo passando por muitas barreiras fiscais; tem as dificuldades sistêmicas de gerar centenas de milhares de conhecimentos por dia, medindo 100% da carga. Por isso, estamos querendo criar no setor, junto ao IPTC (Instituto Paulista do Transporte de Cargas), que é o Instituto de Pesquisa, as melhores práticas para todos seguirem e como conseguir alcançar isso. Por exemplo, o simples fato como cobrar cubagem do seu cliente. A maioria das empresas nem sabe como vão conseguir cubar todos os milhares de pacotinhos que passam dentro de um CD (Centro de Distribuição). Sendo assim, trazemos alguns fornecedores e tecnologias que possam auxiliar a fazer isso, mostramos como deve ser feito, etc. É muito nesse sentido.
Frota&Cia: Existe alguma certificação específica para atuar no e-commerce?
Guilherme Juliani: Depende, se estivermos trabalhando para o e-commerce com produtos termo cosméticos, farmacêuticos, etc, você precisa cumprir as licenças da Anvisa. Mas para o e-commerce em geral, não. Se estamos falando de transportar para a Nike, Havaianas, aí não precisa de certificação nenhuma. Mas dependendo do produto que você está transportando, terá alguma legislação específica da Anvisa, normalmente.
Frota&Cia: Como foi o ano de 2022 para as transportadoras de e-commerce?
Guilherme Juliani: O último número que temos é de 2021 fechado, algo em torno de 330 milhões de pacotes entregues no ano. O que já temos do ano passado é que, somente no movimento cross border foram 170 milhões de pacotes entregues, maioria “esmagadora” do segmento é feita pelos Correios. Pelos números, tivemos uma Black Friday fraca e um ano de 2021 bom. Então, 2022 deve ter fechado com crescimento em torno de 15%, pelas estimativas.
Frota&Cia: Como está o efeito da crise das Lojas Americanas para as transportadoras de segmento?
Guilherme Juliani: Vamos separar a resposta em alguns blocos. Número um, as transportadoras que eram fornecedores deles nem preciso dizer que estão sofrendo bastante. Tínhamos contato com uma que “quebrou” no meio do caminho, simplesmente faliu, não aguentou o “baque” de ter o maior cliente dele largando duas ou três faturas para trás, porque não foi só o mês. Tem muita transportadora que está sofrendo com isso. Um outro aspecto negativo que teve foi que a Americanas, o grande movimento dela, acabou transbordando para o Mercado Livre, ou para outras plataformas que têm a logística própria. Tudo bem que a Americanas já tinha muita coisa sendo feita pela Direct, que é a transportadora dela, mas ainda usava algumas empresas para fazer entrega, a própria Direct usava. Isso acabou indo para o Mercado Livre, por exemplo, com praticamente 100% de logística própria, 95%, mais ou menos, ele faz por logística própria. São entregas que sumiram das transportadoras. O outro efeito, o mais óbvio da história, mas óbvio também precisa ser dito, é que com a Americanas o crédito existente no mercado desapareceu. Hoje, está muito difícil as transportadoras se financiarem, o crédito está muito caro, quando você acha. A maioria dos bancos estão recusando empréstimos e a maioria das transportadoras são extremamente alavancadas, seja para fluxo de caixa ou seja para compra de equipamentos.
Frota&Cia: E quais são as suas expectativas para este ano?
Guilherme Juliani: Acho que ainda vai teremos muita dificuldade no setor por conta da limitação do crédito. Muita empresa terá dificuldade. Quem estava com empréstimo a juros variáveis terá mais dificuldade ainda, porque uma coisa era pegarmos 10 mil reais, 100 mil reais emprestado e pagar 10% ou 12% de juros. Outra coisa é pagar agora entre 25% a 30% de juros. Não conheço nenhum negócio que dê, na última linha, lucro de 25%. Como você vai pagar um juros de 25% no seu negócio que está bem alavancado em empréstimo? Muita empresa vai passar por essa dificuldade. Normalmente, quando você tem muitas empresas do mesmo ramo em dificuldade o que acontece são consolidações. Acho que será um ano difícil para transporte e no final desse ano terá bastante consolidação das transportadoras.
Frota&Cia: Você tem acompanhado a Medida Provisória 1.153, que determina sobre a questão da contratação de seguros entre embarcadores e transportadores? Como pode impactar no e-commerce?
Guilherme Juliani: Isso eu tenho acompanhado pelas mídias do Setcesp. No e-commerce já existem várias plataformas, marketplaces ou clientes grandes, que usam a carta DDR (Dispensa de Direito de Regresso) para o transporte. Então, simplesmente segue o PGR (Programa de Gerenciamento de Riscos) do embarcador e, com isso, não cobra o seguro do seu cliente. O que estamos fazendo junto com ao IPTC, na comissão, é demonstrar para as transportadoras que, independentemente do seu cliente aplicar uma carta de dispensa de direto de regresso e a transportadora não precisar contratar o seguro, ainda assim é necessário cumprir o PGR feito ali. Então, já tem um ad valorem a ser cobrado, que é a gestão do risco do negócio. Não é porque o transportador não pagará o seguro que não cumprirá toda a cartilha de PGR. E cumprir uma cartilha de PGR tem um custo alto, então as orientações para os associados são nesse sentido.
Frota&Cia: A aprovação da medida pode ser realmente um problema para o e-commerce?
Guilherme Juliani: É uma dificuldade porque você acaba tendo que, dentro de um mesmo caminhão, cumprir 4 ou 5 PGRs diferentes. Não é uma política muito comum nossa, como transportadores, fazer isso. Mas sabemos que para o e-commerce, muitas vezes, em troca de um contrato grande as transportadoras acabam aceitando tudo que o embarcador impõe. É uma dificuldade grande para o setor. A nossa orientação (Setcesp) é que resista o máximo possível aceitar o DDR do seu cliente. Mas aí, uma vez imposto, você tem que cobrar o ad valorem para que consiga cumprir 5 ou 6 PGRs dentro de um único caminhão.
Frota&Cia: Na sua opinião, a ideia de levar a responsabilidade da contratação do seguro para o transportador é boa, ou não?
Guilherme Juliani: Isso vai depender muito da tecnologia do transportador. Se estamos falando de empresas pequenas, isso é muito ruim. Se estamos falando de uma empresa maior, que tenha uma estrutura forte, uma cultura de cumprimento de processos mais bem arraigada, isso não é o maior dos problemas. Temos centenas de outros problemas para tratar e sabemos que o Setcesp está lutando por isso. Então, ele é o nosso patrono na luta e nós estamos preparando tudo para os dois sentidos: a lei ser aprovada ou não. Do nosso ponto de vista, temos que estar preparados para o pior e torcer pelo melhor.
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