Em função do início da Operação Descanso Legal, cujo foco é combater o excesso de jornada dos motoristas profissionais que dirigem caminhões e ônibus, e leva muitos ao uso de substâncias psicoativas para se manterem acordados, a Polícia Rodoviária Federal (PRF) apresentou questionamentos para a AGU-Advocacia Geral da União, sobre os desdobramentos da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5322, que julgou inconstitucionais dispositivos relacionados à Lei 13.103/2015, também conhecida como Lei do Caminhoneiro.
A principal dúvida da PRF era em relação ao descanso entre jornadas dos motoristas de caminhão e ônibus de 11 horas ininterruptas, ao invés das 8 horas toleradas antes da decisão dos magistrados. O foco era definir se, devido a inconstitucionalidade identificada pelo Supremo, o novo entendimento deveria ser aplicado imediatamente.
Os principais pontos levantados pela PRF foram:
Necessidade de Parecer de Força Executória: A PRF buscava esclarecer se a decisão do STF pode ser diretamente aplicada ou se é imprescindível a emissão de um parecer formal para viabilizar o cumprimento da decisão.
Atualização do Texto no Site Oficial: A corporação indagava se era necessário aguardar a atualização do texto do Código de Trânsito Brasileiro (CTB) no site do Planalto ou se a decisão já possui força normativa com a simples menção da ADI 5322 ao texto do CTB.
Aplicação Prática da Decisão: A PRF solicitava confirmação sobre a possibilidade de autuar condutores que não cumpram as 11 horas de descanso obrigatório de forma contínua no período de 24 horas, como determina a decisão do STF, com base no artigo 230, inciso XXIII, do CTB.
Contexto da Decisão do STF
A Suprema Corte considerou inconstitucional a possibilidade de fracionar o descanso obrigatório dos motoristas profissionais, entendendo que essa prática compromete a saúde dos trabalhadores e a segurança viária.
A decisão estabelece que as 11 horas de descanso devem ser contínuas, eliminando as alternativas anteriormente previstas pela Lei 13.103/2015.
Cabe acrescentar que a mesma decisão excluiu a possibilidade de dois motoristas revezarem ao volante por até 72 horas, como previa a Lei 13.103/15 e ser considerado descanso do motorista o repouso dentro de veículo em movimento.
Encaminhamento e decisão da AGU
De acordo com o Parecer CONJUR ADI5322, publicado em 03 de janeiro de 2025, a decisão do STF já possui força executória e deve ser aplicada de forma imediata, mesmo sem alterações no texto do CTB no site oficial.
A PRF está autorizada a fiscalizar e autuar condutores que descumpram a legislação, considerando o texto anterior de 11 horas de descanso ininterrupto.
A Secretaria- Geral de Contencioso da Advocacia Geral da União, esclareceu ainda que, enviou dois ofícios ao Ministério dos Transportes, responsável pela Secretaria Nacional de Trânsito (SENATRAN) quando atestou a força executória da primeira decisão do Plenário do STF, tomada em julho de 2023 e a também com relação a segunda decisão, sobre os embargos de declaração, que foi proferida e decida por unanimidade em outubro de 2024. Com as respectivas publicações no Diário Oficial.
Apesar disso, o Estradas.com.br solicitou ao Ministério dos Transportes, e, por seu intermédio aos seus braços no trânsito: a Senatran e o Contran quais as providências foram tomadas.
Até o momento, o único órgão que está atuando com base no entendimento do STF é a Polícia Rodoviária Federal, representando com isso todos os agentes de trânsito do país.
Decisão garante direitos dos motoristas e a segurança viária em geral
A decisão do STF viso garantir condições de trabalho mais seguras para motoristas profissionais, alinhando-se às normas constitucionais de saúde e segurança no trabalho e ao direito social de descanso ininterrupto entre jornadas.
A PRF, portanto, está aplicando a legislação compatível com a decisão do STF, e realizando a fiscalização respeitando à nova normativa para promover maior segurança nas rodovias brasileiras.
PRF deve autuar quem estiver irregular
Com base na manifestação da Advocacia-Geral da União (AGU), a Polícia Rodoviária Federal (PRF) deve considerar infrator todo condutor de transporte rodoviário de cargas ou de transporte coletivo de passageiros que, no período das últimas 24 horas, não respeitar as 11 horas de descanso de forma ininterrupta ou não fracionada.
Da mesma forma os casos de dois motoristas revezando ao volante, sem o descanso adequado, muito utilizada por empresas de ônibus.
Consequências para os Infratores
A infração está fundamentada no inciso XXIII do artigo 230 e no §3º do artigo 67-C do Código de Trânsito Brasileiro (CTB).
Segundo os dispositivos legais o infrator está sujeito a:
1. Multa:
– O condutor que não cumprir o descanso obrigatório estará sujeito a uma multa de R$ 130,16.
– A infração é considerada média e implica a adição de 4 pontos na Carteira Nacional de Habilitação (CNH).
2. Medidas Administrativas:
– Caso a irregularidade seja constatada, o veículo poderá ser retido até que a situação seja regularizada, ou seja, até que o motorista observe o descanso mínimo estabelecido.
Além disso, no caso de motoristas empregados, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), prevê que o descumprimento das normas relacionadas ao descanso entre jornadas dos motoristas profissionais pode gerar penalidades específicas para as empresas.
Neste sentido, os motoristas profissionais empregados, das categorias C, D e E, podem recorrer a Justiça em busca dos seus direitos, considerando já o período de julho de 2023 até hoje, conforme ficou explícito com a decisão do STF em julho de 2023.
PRF deu grande contribuição para a preservação da vida e direitos trabalhistas
Na avaliação do Coordenador do SOS Estradas, Rodolfo Rizzotto, a iniciativa da PRF em consultar a AGU foi fundamental para deixar claro que o descanso entre jornadas deve ser de 11 horas, não podendo ser fracionado, nem mesmo pelo motorista autônomo, já que o que está em jogo é a segurança de todos os usuários da rodovia.
“A consulta da PRF contribui para a segurança de todos, inclusive orienta os demais agentes de trânsito e polícias rodoviárias de todo país. Surpreende a inércia da Senatran que deveria comunicar essa decisão em grandes campanhas para todos os motoristas das categorias C, D e E, sejam autônomos ou empregados.”
Caminhoneiro, cuja iniciais são S. P. , disse que está ciente da decisão e que a sua empresa passou a respeitar a lei recentemente. Inclusive reconheceu que a transportadora que segue a lei sofre a concorrência desleal de quem não a cumpre. “Isso prejudica todos os que trabalham direito.”
O motorista J. G. S, que trabalha com carreta em rota de São Paulo para o Nordeste, desconhecia esse direito. E comentou: infelizmente, muitas vezes sequer nos deixam descansar as 8 horas, imagina 11.
“Eu espero que as autoridades nos ajudem. Quando paramos o caminhão para dormir, temos várias coisas para fazer antes. Checar o caminhão, pneus, as vezes abastecer, tomar banho, cozinhar, ligar para casa e só aí dormir. E o nosso sono é precário, porque tem sempre barulho e medo de ser surpreendido com assalto, gente batendo no vidro para vender drogas, prostituição.” diz o caminhoneiro.
O uso de drogas pelos motoristas profissionais também foi avaliado pelo STF que considerou constitucional o exame toxicológico, apesar da pressão de quem explora os motoristas para que fosse decretada a sua inconstitucionalidade.
“O exame do cabelo é uma arma poderosa para combater a exploração dos motoristas, porque detecta o uso frequente nos últimos 90 dias. Não impede totalmente o uso de substâncias mas serve como um freio e desestimula o consumo.” acrescenta Rizzotto do SOS Estradas.
Já o motorista de ônibus, cujas iniciais são P. M. L., de empresa que opera rotas de grande distância do Norte/Nordeste para o Sul, disse que já cansou de ver colega dormindo ao volante. “Você sai do Norte para Santa Catarina com um colega e vai revezando e dorme de qualquer jeito. Eu fico com medo porque já vi colegas cochilarem ao volante. Isso não é descanso e muitos passageiros não estão nem aí. Querem pagar cada vez menos e ainda encher o bagageiro de tralha.”
Ele defende ainda o exame randômico para condutores profissionais. O motorista poderá receber, a qualquer momento e independente dos exames já previstos, um alerta pela CNH digital de que precisa apresentar laudo negativo nos próximos 30 dias.
“Como o exame detecta uso frequente nos últimos 90 dias, a solicitação de uma laudo negativo de surpresa(randômico), permitirá cumprir um papel complementar a atual legislação, porque será quase que uma fiscalização surpresa, sem necessitar de qualquer operação das autoridades na pista. O que é muito mais complicado.”
Cajau Antonelli, que recentemente mudou de empresa, disse que está muito satisfeito porque a nova transportadora respeita todas as normas. “As 11 horas de descanso são muito importantes para a saúde e segurança dos motoristas. Esse tempo permite que a gente descanse de verdade, evitando o cansaço extremo, que pode causar acidentes. Além disso, ajuda os motoristas a trabalharem melhor e com mais segurança, tornando as estradas mais seguras para todo mundo.”
Decisões do STF beneficiam os motoristas profissionais
Em julho de 2023 o plenário do STF tomou decisões fundamentais para proteger a categoria dos motoristas profissionais, empregados e autônomos, mas não teve a devida publicidade.
Na ocasião o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) declarou inconstitucionais 11 pontos da Lei dos Caminhoneiros (Lei 13.103/2015), referentes a jornada de trabalho, pausas para descanso e repouso semanal. Na mesma decisão, outros pontos da lei foram validados, como a exigência de exame toxicológico de motoristas profissionais.
A decisão, por maioria, foi tomada na sessão virtual concluída em 30/6, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5322, ajuizada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores em Transportes (CNTT).
Fracionamento de períodos de descanso
Foram considerados inconstitucionais os dispositivos que admitem a redução do período mínimo de descanso, mediante seu fracionamento, e sua coincidência com os períodos de parada obrigatória do veículo estabelecidos pelo Código de Trânsito Brasileiro (CTB).
Segundo o relator, o ministro Alexandre de Morais, o descanso entre jornadas diárias, além do aspecto da recuperação física, reflete diretamente na segurança rodoviária, uma vez que permite ao motorista manter seu nível de concentração e cognição durante a condução do veículo. Ainda foram declarados inconstitucionais outros dispositivos que tratam do descanso entre jornadas e entre viagens.
No mesmo sentido, o fracionamento e acúmulo do descanso semanal foi invalidado por falta de amparo constitucional. “O descanso tem relação direta com a saúde do trabalhador, constituindo parte de direito social indisponível”, explicou o relator.
Tempo de espera
O Plenário também derrubou ponto da lei que excluía da jornada de trabalho e do cômputo de horas extras o tempo em que o motorista ficava esperando pela carga ou descarga do veículo nas dependências do embarcador ou do destinatário e o período gasto com a fiscalização da mercadoria.
Para o relator, a inversão de tratamento do instituto do tempo de espera representa uma descaracterização da relação de trabalho, além de causar prejuízo direto ao trabalhador, porque prevê uma forma de prestação de serviço que não é computada na jornada diária normal nem como jornada extraordinária.
Segundo o ministro, o motorista está à disposição do empregador durante o tempo de espera, e a retribuição devida por força do contrato de trabalho não poderia se dar em forma de ‘indenização’, por se tratar de tempo efetivo de serviço.
Descanso em movimento
A possibilidade de descanso com o veículo em movimento, quando dois motoristas trabalharem em revezamento, foi invalidada. “Não há como se imaginar o devido descanso do trabalhador em um veículo em movimento, que, muitas das vezes, sequer possui acomodação adequada”, afirmou o relator, lembrando a precariedade de boa parte das estradas brasileiras. “Problemas de trepidação do veículo, buracos nas estradas, ausência de pavimentação nas rodovias, barulho do motor, etc., são situações que agravariam a tranquilidade que o trabalhador necessitaria para um repouso completo”.
Ficaram parcialmente vencidos os ministros Ricardo Lewandowski (aposentado) e Edson Fachin e a ministra Rosa Weber. O ministro Dias Toffoli acompanhou o relator com ressalvas.
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