A nova lei dos direitos de liberdade econômica
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Por Marcos Aurélio Ribeiro

O Congresso Nacional aprovou a conversão em Lei da Medida Provisória 881/2019 que institui a Declaração de Direitos de Liberdade Econômica e estabelece normas de proteção à livre iniciativa e exercício de atividade econômica, além de deliberar sobre a atuação do Estado como agente normativo e regulador, com a observância das disposições dos artigos 1º caput, inciso IV, 170 parágrafo único e 174 caput da Constituição Federal.

O artigo 1º estabelece que a livre iniciativa é um dos fundamentos da República Federativa do Brasil. O artigo 170, em seu parágrafo único, assegura a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização, ressalvadas as hipóteses previstas em lei. Por fim, o artigo 174 estabelece que o Estado terá as funções de normatizar, regular e fiscalizar a atividade econômica, mediante planejamento que terá caráter determinante para o setor público e indicativo para o setor privado.

Fundada nos princípios constitucionais referidos, a lei determina princípios norteadores dos direitos de liberdade econômica: a liberdade como garantia ao exercício de atividade econômica; a presunção da boa-fé do particular perante o poder público; a intervenção subsidiária e excepcional do Estado sobre o exercício da atividade econômica e reconhecimento da vulnerabilidade do particular perante o Estado.

São direitos assegurados como garantia de liberdade para o exercício de atividade econômica: desenvolver a atividade em qualquer horário ou dia da semana, inclusive feriados, observadas normas de proteção ao meio ambiente e leis trabalhistas; desenvolver atividade econômica de baixo risco – cuja classificação dependerá de ato do Poder Público Federal –   independentemente de atos públicos de autorização ou liberação; definir livremente o preço de produtos ou serviços, em mercados não regulados; a garantia de livre contratação nos negócios jurídicos empresariais paritários, aplicando-se apenas subsidiariamente as regras de direito empresarial, ressalvada a aplicação de normas de ordem pública.

A liberdade para a definição de preço de produto ou serviços, no entanto, encontra limitação na lei que ressalva a aplicação do dispositivo nos casos da legislação de defesa da concorrência, aos direitos do consumidor e às demais disposições protegidas por lei federal. A ressalva da lei assume inegável relevância para o setor de transporte rodoviário de cargas, às voltas com a Lei que criou o Piso Mínimo de Frete, cuja constitucionalidade e legalidade vem sendo amplamente contestada com fundamento nos princípios constitucionais da livre iniciativa e do livre exercício da atividade econômica. A brecha aberta pela lei que regulamenta a norma constitucional pode ser entendida, como sendo essa, uma das hipóteses da não aplicação da plena liberdade de contratação, admitida a intervenção do Estado na atividade econômica, ainda que, na forma prevista no artigo 174 da Constituição Federal, com natureza indicativa para o setor privado, e não vinculante.

Reconhecendo  a vulnerabilidade do particular perante o Estado, a lei estabelece limitações à administração pública na regulamentação de atividade econômica, coibindo o abuso do poder regulatório, assim considerado: criar reserva de mercado em favor de grupo econômico ou profissional; regras que impeçam a entrada de novos competidores no mercado;  criar demanda artificial ou compulsória de produto, serviço ou atividade profissional; aumentar custos de transação; criar limites à formação de sociedades empresariais ou de atividades econômicas.

Além disso, a lei estabelece que órgãos e entidades da administração deverão dar tratamento isonômico no exame de atos de liberação de atividade econômica, cientificando o particular do prazo máximo estipulado para o exame do seu pedido, devidamente instruído, depois do qual será considerado aprovado tacitamente.

Importantes alterações foram introduzidas na legislação vigente. No Código Civil é acrescentado dispositivo visando assegurar a autonomia patrimonial de pessoa jurídica criada com finalidade estimular empreendimentos mediante alocação e segregação de riscos, sem que ocorra confusão entre a pessoa jurídica, seus sócios, instituidores ou administradores.

Personalidade jurídica

O instituto da desconsideração da personalidade jurídica, previsto no Código Civil, sofre alterações que visam melhor esclarecer as hipóteses de sua aplicação e proteger os sócios da pessoa jurídica inadimplente, excluindo a possibilidade da desconsideração pela simples existência de grupo econômico.

Uma primeira alteração é a que condiciona a desconsideração decorrente do abuso da personalidade jurídica e a extensão dos efeitos das obrigações, aos sócios beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso

Desvio de finalidade

A confusão patrimonial, o desvio de finalidade abusivo, a utilização da pessoa jurídica com propósito de lesar credores ou praticar atos ilícitos de qualquer natureza comportam várias interpretações, cabendo ao Judiciário fixar, no futuro, entendimento para aplicação da lei.

Outra alteração é a definição na lei do que vem a ser desvio de finalidade e confusão patrimonial, que são fundamentos para a desconsideração. Desvio de finalidade é a utilização da pessoa jurídica com a finalidade de lesar credores e para a prática de atos ilícitos de qualquer natureza. Todavia, são conceitos extremamente vagos que se prestarão ao enquadramento das mais variadas condutas, a critério do Juiz.

Já a confusão patrimonial pode ser caracterizada pelos efeitos de certas e determinadas relações de obrigações que sejam estendidas aos bens particulares de administradores ou de sócios da pessoa jurídica beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso.    

Prevê ainda a caracterização na prática de outros atos de descumprimento da autonomia patrimonial, previsão essa que poderá dar margem a interpretações ampliativas para a desconsideração.

Autonomia da vontade

O legislador reforça a autonomia da vontade, a liberdade de contratar e a força vinculante do contrato que faz lei entre as partes. Artigo novo acrescentado ao Código Civil estabelece que os contratos civis e empresariais se presumem paritários e simétricos, devendo ser respeitada a alocação de riscos definida pelas partes, permitida a revisão contratual excepcionalmente e de forma limitada.

As partes poderão estabelecer no próprio contrato parâmetros objetivos para a interpretação de cláusulas, as quais poderão ser diversas daquelas previstas em lei. A seu turno, a lei fixa regras de interpretação do negócio, assim a conformidade com o comportamento das partes após a celebração do contrato; a observância da boa-fé; a correspondência aos usos e costumes e práticas do mercado relativas ao tipo do negócio; a razoabilidade do negócio considerando-se o momento da sua celebração.

Regra de interpretação mais benéfica à parte que não redigiu o dispositivo, anteriormente já existente em relação aos contratos de adesão, passa a valer para todos os contratos quando possível identificar qual a parte que redigiu o dispositivo sob interpretação. Diante dessa nova regra assume grande importância a troca de correspondências ou e-mails durante a fase de elaboração e negociação do contrato para identificar quem redigiu cada uma de suas cláusulas.

Alteração importante que poderá resolver problema das empresas do TRC de comprovação de entrega e guarda de canhotos, foi introduzida na Lei nº 12.682, de 2012, que trata de armazenamento de documentos por meio eletrônico.

Documentos por meio digital

Artigo novo acrescentado à lei autoriza o armazenamento de documentos particulares por meio digital com valor probatório do documento original, para todos os fins de direito.

A Lei 12.682, já contém previsão de que o processo de digitalização terá de empregar certificado digital emitido no âmbito da infraestrutura do ICP-Brasil (Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira).

A lei nova estabelece ser válido qualquer outro meio de comprovação da autoria, integridade e confidencialidade de documento em forma eletrônica, desde que escolhido de comum acordo pelas partes, ou se aceito pela parte a quem for oposto.

Não havendo a escolha pelas partes, o uso da certificação digital padrão ICP-Brasil, no processo de digitalização assegura os atributos independentemente de aceitação da outra parte.

Assim, a previsão em contrato de transporte da digitalização do comprovante de entrega, o seu armazenamento e remessa por via eletrônica ao remetente da mercadoria transportada será admitido como meio eficaz de comprovação do cumprimento do contrato de transporte.

Relações trabalhistas

No campo do direito do trabalho a nova lei introduz alterações na CLT. Estabelece que será criada carteira de trabalho digital, mantendo a CTPs (Carteira de Trabalho e Previdência Social) física em casos de dificuldades de acesso aos meios digitais pelo trabalhador. As anotações na CTPs relativas ao contrato de trabalho pelo empregador passará a ter prazo de cinco dias para serem efetuadas.

Em relação às anotações do horário de trabalho será exigido que o este seja anotado em registro de empregados. Nos estabelecimentos com mais de 20 trabalhadores será obrigatória a anotação da hora de entrada e saída, em registro manual, mecânico ou eletrônico, conforme instruções expedidas pelo Ministério da Economia, permitida a pré-assinalação do período de repouso.

Será consentida, também, a utilização de registro de ponto por exceção à jornada regular de trabalho, mediante acordo individual escrito, convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho.

Outras alterações que anteriormente estavam previstas na CLT não foram aprovadas pelo Congresso Nacional, deixadas para apreciação em projetos que tramitam no Legislativo Federal.

*Marcos Aurélio Ribeiro é diretor Jurídico da NTC&Logística


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