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29 de Agosto de 2018 – 17h58 horas / CNT

O asfalto é o mais “humilde” dos derivados do petróleo. Após sucessivas destilações e retiradas de subprodutos, sobra uma borra escura e aparentemente inútil. No entanto, o destino desse material betuminoso não será o descarte. Na verdade, ele está presente na totalidade dos pavimentos brasileiros, seja na forma de CAP (cimento asfáltico de petróleo), seja na forma de ADP (asfalto diluído de petróleo) ou, ainda, misturado com borracha ou modificado com polímeros. Onde tem rodovia, houve uso de material asfáltico.

 

Essa onipresença dá ideia do tamanho do impasse enfrentado atualmente pelas empresas construtoras e concessionárias de rodovias. O “humilde” material betuminoso está se valorizando rápido demais, em um ritmo muito superior ao da inflação. A escalada é reflexo da política de preços adotada pela Petrobras, única fornecedora de petróleo no país. Após um período longo sem reajustes, a empresa de economia mista decidiu recompor as perdas acumuladas. Assim, em novembro de 2017, por exemplo, aumentou o preço dos asfálticos em 12%, de uma só tacada.

 

Logo em seguida, foi anunciada a decisão de manter reajustes mensais de 8%, com margem para chegar a 12%, se necessário. A ideia é que, uma vez superada a defasagem, o preço dos chamados ligantes asfálticos flutuaria de acordo com a cotação do dólar, em harmonia com o mercado internacional, e seguindo uma fórmula que inclui o frete do transporte marítimo e os demais custos de internação da matéria-prima (tarifas portuárias, seguros, perdas etc.).

 

O saneamento nas contas da estatal é uma meta para o futuro. Enquanto isso, as construtoras têm de honrar os compromissos assumidos anteriormente.  “Os contratos de obras públicas têm, por lei, direito ao reajuste de preço a cada 12 meses. Com aumentos mensais do asfalto nessa proporção, não houve contrato que conseguisse se manter equilibrado”, aponta Carlos Eduardo Lima Jorge, presidente da Comissão de Infraestrutura Rodoviária da CBIC (Câmara Brasileira da Indústria da Construção).

 

Lima Jorge calcula que os produtos betuminosos respondam por até 40% do valor de uma rodovia nova. “Em obras de conservação ou restauração de pavimento, representam até 70% do custo. Então, realmente, é um peso considerável. Não dá para executar uma obra dessas no vermelho. Se você pegar o acumulado desde novembro de 2017 até hoje, estamos falando de um insumo que aumentou 65%”, ressalta. “A Petrobras não olhou para o mercado; olhou para o caixa da empresa”, lamenta.

 

As concessionárias também sentiram o choque. Por serem de longo prazo, os contratos do setor trazem cláusulas que, em tese, mitigam os riscos. Os aumentos, porém, foram de tal ordem que não há como absorvê-los sem ônus – quando muito, as tarifas são atualizadas com base no IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo). “Cada contrato tem exigências diferentes. Quanto maiores as obrigações de execução em pavimento flexível, maior o impacto sofrido”, pondera Flávio Freitas, diretor de Desenvolvimento e Tecnologia da ABCR (Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias).

 

“Recentemente, vimos como reagiram os setores afetados pela política da Petrobras para os combustíveis, praticamente parando o país. É óbvio que as concessionárias não têm essa força nem esse interesse, mas seria adequado que alguma coisa fosse feita em relação a esse impacto violento dos reajustes”, observa o diretor da ABCR. “Deveria existir a visão social e estratégica de que esse produto não pode observar variações de dólar ou seguir uma lógica meramente empresarial”.

 

Busca por soluções

Em frentes diferentes, concessionárias e empresas de construção correm atrás do prejuízo. As primeiras tentaram pactuar a devolução amigável de concessões para que empreendedores substitutos pudessem tocar o contrato, sem interrupções para a administração pública. Essa alternativa se cristalizou na medida provisória n° 752, de 2016, que, posteriormente, foi convertida na lei nº 13.448, de 2017.

 

O otimismo inicial logo arrefeceu. “Infelizmente, talvez pelo momento político, não obtivemos resultado”, reconhece Flávio Freitas, da ABCR. “Para que se torne efetiva, essa lei precisaria de uma regulamentação que, um ano e quatro meses depois, ainda não existe”. Alternativamente, o setor apostou na medida provisória nº 800, de 2017, que previa a “reprogramação de investimentos em concessões rodoviárias federais”, dilatando prazos de entrega. “No entanto, nenhum aditivo aproveitou essa MP, e ela acabou caducando”, relata Freitas.

 

As empresas de construção não tiveram sorte melhor. De imediato, levaram a questão ao conhecimento do Dnit (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes), o maior contratante de serviços de pavimentação. Sensível à demanda, a autarquia federal editou a instrução de serviço nº 15, em julho de 2016, que estabelecia critérios para reequilibrar os contratos afetados pelos preços dos materiais asfálticos. O texto, porém, foi objetado pelo TCU (Tribunal de Contas da União) e permanece sub judice até hoje.

 

“O governo precisa ajudar o setor, até porque ele é uma das partes”, aponta Evaristo Pinheiro, presidente do Sinicon (Sindicato Nacional da Indústria da Construção Pesada). “O órgão de controle não concorda com as opções colocadas à mesa e tampouco oferece algo diferente”, critica o dirigente. “Outro caminho seria o Poder Executivo determinar, via decreto, um reequilíbrio por fator extraordinário”. Essa última opção sequer foi cogitada.

 

A Petrobras, por sua vez, demonstrou interesse em solucionar o impasse, mantendo um canal aberto de comunicação com os representantes do setor. Fruto dessa interlocução foi a trégua nos reajustes nos meses de fevereiro, março e abril deste ano. Era uma tentativa para dar tempo às negociações em andamento. O prazo se esgotou, e a política de alta foi retomada, vigorando até agosto. Agora, diante dos apelos renovados das empresas, a estatal propõe que os reajustes sejam trimestrais, mas isso pouco contribui para a adequação dos contratos.

 

“O que queremos é a aplicação única e exclusiva da lei. Tanto a Constituição quanto a lei nº 8.666/93, de licitações, garantem que devem ser mantidas as condições inicialmente pactuadas entre as partes. A mesma lei diz expressamente que fatos imprevisíveis ensejam revisão contratual”, defende Carlos Eduardo Lima Jorge, da CBIC. Segundo o entender dele, as vias administrativas foram esgotadas. “Nós, da CBIC, do Sinicon e da Aneor (Associação Nacional das Empresas de Obras Rodoviárias), chegamos à conclusão de que vamos judicializar todos os contratos, ou seja, as empresas vão requerer na Justiça o reequilíbrio econômico-financeiro dos contratos”, garante.

 

As entidades ainda precisam alinhavar a estratégia, o que ocorrerá com uma assembleia que deve ser realizada no início de setembro. Uma vez formalizado, o litígio seguirá seu curso imprevisível, sem garantias de sucesso e sem prazo de conclusão. A Petrobras e o Dnit foram contatados pela reportagem, mas não se pronunciaram sobre o assunto.


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