Reforma Tributária se Aproxima e Empresas Enfrentam Desafios para se Adaptar
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Em 2026, o IBS e CBS entram em vigor, exigindo mudanças em processos e tecnologia; legislação acessória patina e vazio normativo pode ser entrave.

A reforma tributária finalmente saiu do papel e já começa a ganhar forma no calendário das empresas brasileiras, com a sua fase de testes programada para começar no início do próximo ano. 

A mudança, que vinha sendo discutida há décadas, inaugura uma nova lógica de tributação sobre o consumo. Em vez de conviver com um emaranhado de impostos, como PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS, o país passa a adotar dois tributos principais: o IBS (Imposto sobre Bens e Serviços) e a CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços). A eles se soma o imposto seletivo, apelidado do “imposto do pecado”, destinado a produtos específicos como cigarros e bebidas alcoólicas.

Na prática, o Brasil se aproxima de modelos já utilizados em 36 dos 37 países da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico), com exceção dos Estados Unidos. Trata-se de um sistema de IVA (Imposto sobre Valor Agregado) dual que busca simplificar, reduzir burocracia e diminuir a litigiosidade tributária, responsável por trilhões em disputas que travam a economia. 

A promessa é ousada: reduzir de mais de 4 mil horas para algo próximo a 200 horas por ano o tempo que uma empresa gasta para cumprir suas obrigações fiscais. Porém, nem tudo está definido, incluindo legislações complementares. Faltando pouco menos de quatro meses para o início de 2026, as atenções se voltam para a preparação das empresas para o novo momento tributário brasileiro. 

O que já está definido e o que ainda falta

A espinha dorsal da reforma já foi estabelecida por meio da Lei Complementar 214/25, mas o corpo regulatório ainda está em construção. Diversas normas precisam ser publicadas para disciplinar obrigações acessórias, detalhar regras de creditamento, multas, e, sobretudo, definir as alíquotas efetivas que serão aplicadas.

“A reforma afeta a cadeia de suprimentos, precificação, contratos e fluxo de caixa. Quem não se preparar de forma ampla corre risco real de não conseguir operar em 2026”, afirma Marcos Tadeu Junior, CEO da Invent Software.

Esse vazio normativo gera ansiedade no meio empresarial. A fase de testes se encerrará em 2032,  com o início da aplicação integral das novas regras em 2033, mas, em 2026, haverá a o início da fase de transição, com a CBS sendo cobrada a 0,9%, e o IBS, em 0,1%. Esses valores poderão ser compensados com o PIS e a Cofins, de modo que o impacto financeiro será nulo. Porém, as empresas terão de ajustar seus sistemas internos para registrar, calcular e transmitir as novas informações fiscais.

 

“Apesar de o impacto financeiro inicial ser praticamente inexistente, as empresas terão apenas um ano para ajustar sistemas e rotinas que serão cruciais em 2027. É uma corrida contra o tempo”, alerta Thiago Barbosa Wanderley, sócio do Salles Nogueira Advogados.

 

O que as empresas precisam fazer desde já

A reforma não é apenas uma mudança normativa. Ela exige revisão estrutural dos processos de negócios. Todas as fontes ouvidas convergem em um ponto: quem deixar para se adaptar em 2026 corre sério risco de enfrentar gargalos operacionais.

Para evitar isso, alguns passos são considerados prioritários:

Criar um comitê interno de reforma tributária que envolva jurídico, fiscal, contábil, financeiro, TI, logística e RH;

Adequar sistemas de gestão (ERPs) para simular, calcular e emitir notas fiscais no novo padrão;

Revisar contratos com fornecedores e clientes, incluindo cláusulas de repasse e aproveitamento de créditos;

Mapear operações de compras, vendas, interestaduais e internacionais para entender o impacto sobre margens e precificação;

Fazer simulações financeiras para mensurar o efeito do crédito amplo, do split payment e da tributação no destino;

Capacitar equipes em controladoria, fiscal, contabilidade e vendas para reduzir a dependência de consultorias externas;

Negociar benefícios trabalhistas de forma formalizada, permitindo que esses custos também gerem crédito tributário.

“Esse novo sistema de crédito tributário é mais amplo, o que é positivo, mas obriga as empresas a repensarem fornecedores, logística e até benefícios concedidos aos trabalhadores. É um novo modelo mental”, diz o advogado João Colussi, sócio da área tributária do escritório Mattos Filho.

Esses movimentos são vitais porque a reforma muda a lógica do fluxo de caixa. Com o split payment, o tributo será recolhido diretamente pelos bancos e adquirentes no momento do pagamento, retirando das empresas a prática de usar impostos como capital de giro temporário.

Pontos de atenção

Há também armadilhas no caminho. Luiz Roberto Peroba, sócio do Pinheiro Neto Advogados, chama atenção para a forma como os tributos serão destacados por fora do preço. Essa mudança altera a contabilização da receita bruta e exigirá ajustes finos na maneira de registrar as operações.

“Registrar receita e tributo de maneira separada é algo inédito no Brasil. Parece detalhe técnico, mas vai impactar toda a contabilidade. A transição será particularmente delicada porque conviveremos com dois sistemas por quase uma década”, ressalta Peroba.

Outro alerta importante é que, sem adaptação tecnológica, as empresas podem ficar impossibilitadas de emitir notas fiscais já em janeiro de 2026.

 

“Essa é uma ilusão perigosa. A reforma afeta a cadeia de suprimentos, precificação, contratos e fluxo de caixa. Quem não se preparar de forma ampla corre risco real de não conseguir operar em 2026”, afirma Marcos Tadeu Junior, CEO da Invent Software.

A empresa, que fornece soluções de folhas de pagamento e gestão de contratos complementares ao planejamento das companhias (ERP’s),  atende cerca de 3.000 clientes, entre eles Magalu, Ambev, Burger King, McDonald’s e até clubes de futebol como Palmeiras e Botafogo. Uma sondagem interna feita pela Invent indicou que 90% dos clientes não estão atentos às mudanças. 

E isso pode ter um impacto maior do que se pensa. Há, segundo Tadeu Júnior, risco de sobrecarga em mão de obra especializada, gerando uma corrida por profissionais de TI, contabilidade e fiscal, o que pode gerar gargalos de execução, sobretudo em pequenas e médias empresas.

Apesar de diferentes enfoques, os quatro especialistas consultados compartilham alguns consensos. O primeiro é que a reforma é positiva, moderna e necessária, aproximando o Brasil de padrões internacionais e estimulando a formalização da economia.

O segundo ponto de convergência é a urgência de começar a preparação agora. Criar comitês, revisar contratos, adequar sistemas e treinar equipes não pode ser deixado para o último momento.

“Não haverá espaço para improviso. As companhias que iniciarem a adaptação desde já estarão em vantagem competitiva quando a reforma estiver completamente implementada”, diz Colussi.

O terceiro consenso é que a transição será complexa e, ao menos até 2032, as empresas terão de operar em dois regimes. Isso exige resiliência organizacional e investimento contínuo.

Pequenas e médias correm risco

A reforma tributária deve, no médio prazo, reduzir disputas judiciais, simplificar o ambiente de negócios e ampliar a competitividade do país. Mas o curto prazo será de ajuste intenso. Grandes empresas já estão em movimento, mas as pequenas e médias ainda parecem acreditar em uma possível prorrogação, que até agora não tem qualquer sinal concreto do governo.

A implementação da reforma é inevitável e muito bem vista pelo mercado. 

As companhias que se anteciparem tendem a ganhar eficiência, reduzir riscos e até encontrar oportunidades em um sistema mais claro e transparente. Já as que resistirem ou demorarem a se adaptar podem enfrentar não apenas multas e bloqueios operacionais, mas também perda de competitividade em um mercado cada vez mais regulado por dados e tecnologia.


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