Analistas apontam que país terá desafio de manter avanço do indicador em cenário em que mercado de trabalho dificilmente permanecerá com a dinâmica atual
Quase 70% do aumento da renda per capita nos últimos cinco anos veio do salto da ocupação no mercado de trabalho e 20,1% foram graças à expansão da produtividade, mostra cálculo da coordenadora do Boletim Macro Ibre, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre), Silvia Matos. Em igual período, a jornada média do trabalhador contribuiu com 14,2%.
Os outros dois fatores que interferem na dinâmica da renda per capita tiveram influências menores no período. A taxa de participação – medida pela parcela das pessoas ocupadas ou em busca de trabalho frente ao total da população em idade ativa (entre 14 e 64 anos) – respondeu por 1,2% do crescimento, enquanto o bônus demográfico teve contribuição negativa de 3%.
Em estudo antecipado com exclusividade ao Valor, a economista fez as contas para mostrar a decomposição do crescimento do valor adicionado da economia per capita. O cálculo leva em consideração cinco componentes para explicar o movimento deste indicador: produtividade por hora trabalhada, jornada média, taxa de ocupação no mercado de trabalho, taxa de participação e bônus demográfico.
Para a economista, esse perfil concentrado no trabalho é um alerta para o que pode ocorrer no país a curto prazo, nos próximos anos. Como o desemprego já está nas mínimas históricas, o país começou a “bater no muro da oferta de mão de obra”, em que é possível crescer sem pressão de salários.
O aumento médio anual da renda per capita foi de 1,69% entre 2020 e 2024, dos quais 1,14 ponto percentual (67,45%) vieram da taxa de ocupação – que é o contraponto do desemprego. No trimestre até agosto, com taxa de desemprego de 5,6%, a taxa de ocupação era de 94,4%. A produtividade por hora trabalhada, por sua vez, teve impacto de apenas 0,34 ponto percentual.
Ao mesmo tempo, com o envelhecimento da população, o bônus demográfico teve impacto negativo (-0,05 ponto percentual). Isso significa que o país deixa para trás o benefício de uma parcela maior da população em idade ativa para ajudar na geração de riqueza. Como comparação, esse fator respondeu por 70% da alta média anual do PIB per capita na década de 90.
“A expansão recente da renda per capita foi muito intensiva em trabalho e pouco em produtividade. Isso é mais cíclico que estrutural”, afirma Silvia Matos.
Essa situação só foi possível, nota ela, porque o país vinha de uma recessão e uma época de baixo crescimento, com muitas pessoas desempregadas, elevada informalidade e “uma ociosidade que hoje não tem mais”.
“Esse perfil e ritmo de crescimento do PIB per capita visto mais recentemente é algo impossível de ocorrer nos próximos anos via mercado de trabalho, diante da estrutura da economia e da demografia”, diz.
Estados como Santa Catarina, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul conseguem sustentar taxas menores de desemprego (2,2%, 2,8% e 2,9%, respectivamente, no segundo trimestre) pela diferente composição da economia. No Brasil, os serviços tradicionais têm peso elevado na atividade econômica e também são aqueles muito intensos em trabalho.
“Santa Catarina, por exemplo, twm elevado capital humano e mais empresas de tecnologia, com mais produtividade, e consegue manter taxa de desemprego menor que a do país”, explica. “Podemos dizer que há um aproveitamento mais eficiente do potencial dos trabalhadores”, completa.
Silvia Matos esclarece que isso não quer dizer que “a produtividade está fadada à estagnação” e diz que há possibilidade de ganhos. Mas a economia brasileira “ainda é ineficiente”, apesar de avanços em educação e também de reformas estruturais realizadas.
Estudioso da produtividade brasileira e diretor de pesquisa do Instituto Mobilidade e Desenvolvimento Social (Imds), Fernando Veloso aponta “a conexão muito forte entre o crescimento da renda per capita e a produtividade por hora trabalhada” quando se observa um período mais longo de tempo. Entre 1982 e 2024, a renda per capita subiu 1% em média, por ano, com contribuição de 0,6 ponto percentual da produtividade. É uma influência maior que na análise de curto prazo entre 2020 e 2024, mas se dá em cima de um crescimento menor. A taxa de ocupação tem efeito nulo no período de 1982 a 2024. O indicador tende a ter equilíbrio numa avaliação mais duradoura, que soma períodos de altos e baixos do ciclo econômico.
“Se o ritmo de crescimento da produtividade não acelerar, o padrão de vida vai crescer ainda menos do que no passado” — Fernando Veloso
Dois outros componentes exerceram papel positivo nessas quatro décadas: o bônus demográfico (0,4 ponto percentual) e a taxa de participação (também 0,4 ponto percentual). A taxa de participação, por sua vez, reflete o aumento do engajamento de mulheres no mercado de trabalho, que avançou desde os anos 80. No desempenho mais recente, de 2020 a 2024, esse bônus demográfico já teve efeito negativo.
“Daqui para frente, se o ritmo de crescimento da produtividade não acelerar, o padrão de vida vai crescer ainda menos do que no passado. Esses outros componentes [bônus demográfico e taxa de participação] não vão contribuir mais ou será muito pouco”, diz Veloso.
O diretor de Estudos e Políticas Macroeconômicas do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Claudio Amitrano, diz que é natural uma expansão da renda concentrada em emprego nos últimos anos, diante da “reação extraordinária do mercado de trabalho brasileiro”. “Tendo em vista esse quadro mais moroso e pouco dinâmico da produtividade, é natural que as variáveis de mercado de trabalho sejam as que influenciem mais positivamente a evolução da renda per capita”, diz.
A curto prazo, Amitrano afirma que não é de se esperar a manutenção do ritmo acelerado do emprego por causa da base de comparação elevada, que também pressionou inflação e motivou a política monetária adotada pelo Banco Central para enfrentar o problema. “É difícil imaginar que esse momento de exuberância do mercado trabalho vai permanecer por muito tempo”, admite.
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