
Estudo realizado nos EUA sugere que mudanças tecnológicas podem exigir dos profissionais mais habilidades comportamentais do que técnicas; no Brasil, especialistas destacam competências como boa comunicação e inteligência emocional
Em meio a mudanças tecnológicas disruptivas, como o avanço da inteligência artificial (IA) e seus impactos no mercado de trabalho, o desenvolvimento contínuo de soft skills ou habilidades comportamentais ganharam um peso extra – tanto para os profissionais quanto para os empregadores.
É o que sinaliza uma nova pesquisa publicada na “Harvard Business Review”, veículo sobre temas ligados à liderança.
O estudo analisou, entre 2005 e 2019, mais de mil ocupações, 70 milhões de transições de emprego e centenas de habilidades profissionais, como adaptabilidade e capacidade de trabalhar em equipe, usadas na progressão de carreiras, nos Estados Unidos.
Como conclusão, o levantamento aponta que os talentos que possuíam “uma ampla base de soft skills” – ante colegas que investiram somente em competências técnicas, como saber criar códigos-fonte para programas de computador – acessaram novos conhecimentos, ascenderam a cargos maiores e se mostraram mais resilientes em meio às transformações do mercado de trabalho.
“Isso ocorreu porque as soft skills ajudaram esses trabalhadores a serem mais adaptáveis e lhes deram terreno para se adequar a transições organizacionais, uma característica valorizada em posições de maior remuneração”, argumenta, no artigo, Moh Hosseinioun, pós-doutorando em gestão na escola de negócios americana Kellogg School of Management.
Hosseinioun é um dos responsáveis pelo mapeamento, junto com Frank Neffke, líder de programas de pesquisa do centro de estudos Complexity Science Hub em Viena, na Áustria; e os professores Hyejin Youn, da Universidade Nacional de Seul, na Coreia do Sul; e Letian Zhang, também da Kellogg.
O levantamento, segundo o estudioso, examinou ainda como as soft skills moldam o desempenho dos profissionais no longo prazo.
“Constatamos que pessoas com características como alta compreensão de textos e habilidades de comunicação tendem a aprender mais rápido e dominar competências complexas com o passar dos anos”, garante.
Segundo Hosseinioun, o “prazo de validade” das expertises técnicas nos currículos tem encolhido. “Pesquisadores estimam que a ‘vida’ dessas habilidades ou ‘o tempo que leva para metade do que você sabe ficar obsoleta’ caiu de cerca de dez anos, na década de 1980, para quatro anos, agora”, ressalta. “Em breve, pode ser reduzido para menos de dois.”
Mas, o estudo indica que as pessoas que superaram cada “onda de novidades” nos ambientes de trabalho compartilham um mesmo conjunto de ferramentas pessoais: habilidade para resolver problemas, comunicação clara e talento para atuar em grupo, compara.
“Esses pontos fortes ajudaram os funcionários a reaprender mais rápido e permitiram com que as empresas redistribuíssem novas tarefas aos times sem começar do zero”, argumenta. “Em um mundo de constante disrupção, as organizações devem prestar mais atenção no crescimento das soft skills entre as equipes – serão elas que tornarão possível a adaptabilidade no futuro.”
A investigação constata que, no longo prazo, candidatos com um leque maior de soft skills serão mais “valiosos” para as corporações do que aqueles com conhecimento “hiperespecializado e específico”, sem qualidades interpessoais, ressalta o professor.
Poder social
O autor também destaca no trabalho que um subconjunto de habilidades impulsionou ainda mais os empregados a alcançarem níveis elevados de realização profissional: as características sociais.
Em ambientes regidos por projetos multifuncionais, equipes remotas e diversas ferramentas de contato, ganham terreno os
funcionários capazes de alinhar metas, compartilhar conhecimentos e manter um ‘baixo atrito’ nas interações profissionais”, avalia.
Nos EUA, a quantidade de cargos que exige um alto nível de interação social cresceu quase 12 pontos percentuais entre 1980 e 2012, enquanto as posições que precisam de muito esforço matemático e pouco contato
humano diminuíram, exemplifica. “Os salários seguem o mesmo padrão, continua. “Colocações que combinam capacidade cognitiva e habilidade social pagam os maiores soldos.”
Na mesa das chefias
A tendência de valorização das soft skills é ainda mais pronunciada no patamar das chefias, segundo Hosseinioun. “Uma análise de 34 milhões de vagas de emprego gerenciais nos EUA mostra que, desde 2007, os empregadores triplicaram a proporção de colocações que enfatizam aspectos como ‘colaboração, coaching e influência’, enquanto o volume de requisitos ligados à ‘liderança tradicional’ [como saber centralizar decisões] encolheu.”
Em resumo, diz o especialista, à medida que a complexidade técnica escala nas rotinas de trabalho, a força que mantém os talentos produtivos é a habilidade social, com qualidades como boa comunicação, empatia e capacidade de coordenar diferentes expertises nos times.
“Nossa análise sugere que, além dos talentos ‘sociais’, outros atributos, como o pensamento crítico e o poder de resolver problemas complexos são componentes cruciais para um local de trabalho dinâmico”, anota. “Juntos, oferecem uma espécie de ‘plataforma’ que libera todo o valor do conhecimento das equipes, à medida que a tecnologia e os mercados vão mudando.”
Mapa da mina
Diante dos resultados que coletou, Hosseinioun dá três dicas para que as lideranças consigam priorizar as soft skills nos quadros. São elas:
- Contrate os candidatos certos
Avalie pontos fortes fundamentais, como habilidade para resolução de problemas, adaptabilidade e comunicação, mesmo para as funções mais especializadas.
“Essas qualidades são mais difíceis de avaliar durante as entrevistas de emprego”, alerta. “Faça perguntas direcionadas para entender como os candidatos aprendem, colaboram e respondem a momentos de incerteza.”
- Desenvolva talentos
Invista em ações de desenvolvimento logo no início da carreira dos funcionários. Fortaleça “poderes” como a colaboração e a agilidade de aprendizagem – e não apenas a proficiência técnica, recomenda.
“Algumas competências são mais custosas de desenvolver mais tarde, na vida”, afirma. “Alguém com dificuldades em matemática, por exemplo, não se tornará um especialista no tema com alguns tutoriais on-line. O mesmo vale para as características sociais, como a empatia, que evoluem ao longo dos anos graças às mentorias e uma maior interação com pares.”
- Saiba liderar
Os gestores desempenham um papel central ao modelar e reforçar as habilidades necessárias ao trabalho diário, garante.
“Isso inclui reconhecer comportamentos como resolução colaborativa de problemas e aprendizagem multifuncional”, defende. “Ferramentas como feedbacks e dinâmicas de equipe podem ser estruturadas para enfatizar a importância do desenvolvimento de competências interpessoais, incorporando a evolução delas à cultura da empresa.”
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