O novo cenário da jornada do motorista após a ADI 5322
Compartilhe

Ao declarar pontos constitucionais e inconstitucionais da Lei do Motorista, o STF abriu espaço para negociações coletivas e reacendeu debates importantes sobre a rotina de trabalho dos profissionais do volante

O transporte rodoviário de cargas atravessa um período de ajustes depois do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5322 ajuizada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores em Transportes Terrestres (CNTTT).

A decisão do STF modificou regras da Lei nº 13.103/2015, conhecida como a Lei do Motorista, e impactou diretamente a gestão das jornadas destes profissionais, especialmente nas operações de longas distâncias.

Entre as mudanças com maior efeito para empresas e motoristas estão:

  • O tempo de espera passou a ser integrado à jornada de trabalho e deve ser remunerado.
  • O intervalo interjornada de 11 horas não pode mais ser fracionado.
  • O Descanso Semanal Remunerado (DSR) em viagens acima de sete dias não pode ser fracionado ou acumulado para ser usufruído no retorno.
  • O repouso com veículo em movimento nos casos de viagens com dois motoristas, agora só pode ser realizado com o veículo parado ou fora dele.

Para Adilson Boaretto, assessor jurídico da FTTRESP e da CNTTT (Federação dos Trabalhadores em Transportes Rodoviários do Estado de São Paulo e Confederação Nacional dos Trabalhadores em Transportes Terrestres), o resultado representou uma vitória para a categoria. Ainda assim, ele reconhece que o julgamento trouxe impactos indesejados na rotina dos motoristas.

“Há prejuízos principalmente para quem atua em longas distâncias. É preciso buscar alternativas que conciliem a proteção aos direitos trabalhistas com as peculiaridades operacionais do setor”, ponderou.

Já para as empresas, o desafio se amplia. Carlos Panzan, presidente da FETCESP (Federação das Empresas de Transportes de Cargas do Estado de São Paulo), destaca que os gargalos operacionais acabam recaindo sobre o transportador.

“Existem locais onde a espera para recebimento chega a 20h. As transportadoras não podem ser penalizadas com custos extras e trocas emergenciais de profissionais por causa da demora na descarga”, defende Panzan.

Além disso, algumas mudanças não agradaram nem às empresas nem aos profissionais. Antes, o motorista que trabalhava no final de semana poderia tirar o tempo de descanso acumulado e tinha mais tempo para ficar com a família. Agora, o repouso deve ser realizado onde o profissional estiver, isso mesmo, longe de casa.

Apesar das divergências, especialistas apontam que o julgamento também ampliou as possibilidades de negociação coletiva. Bianca Bastos, desembargadora e diretora da Escola Judicial do TRT/2ª Região (EJUD-2), explica que a decisão do STF criou um novo ambiente interpretativo.

“A ação reconheceu a livre negociação e tirou parte das decisões do campo exclusivamente jurídico, permitindo que sindicatos construam soluções mais adequadas às necessidades da categoria”, esclarece Bastos.

A desembargadora do TRT/2ª Região, Ivani Bramante, reforça que ajustes são possíveis, desde que não repliquem dispositivos já considerados inconstitucionais.

“É possível negociar, por exemplo, que o descanso semanal não ocorra necessariamente aos sábados e domingos. Também se pode fracionar o descanso de 30 minutos a cada 5h30 de direção, desde que esteja acordado nas negociações”, comenta Bramante.

Marcelo Rodrigues, presidente do Conselho Superior e de Administração do SETCESP, aponta que as tratativas exigem cautela. “Temos que analisar essas novas diretrizes com profundidade porque isso afeta tanto a vida do trabalhador quanto a gestão empresarial. Encontrar equilíbrio é essencial para garantir segurança jurídica ao setor”.

O presidente da FTTRESP (Federação dos Trabalhadores em Transportes Rodoviários do Estado de São Paulo) e da CNTTT (Confederação Nacional dos Trabalhadores em Transportes Terrestres), Valdir Pestana, afirma que a intenção sempre foi negociar.

“O mundo mudou, mas a Constituição permanece a mesma, com alterações pontuais por PECs, e isso não tem sido o suficiente para refletir as necessidades atuais da categoria. Só quem vive as rodovias conhece a realidade da atividade”, disse Pestana, sugerindo que quem faz a lei nem sempre conhece como funciona a operação na prática.

Até onde se pode negociar?

“Apesar da abertura para negociações, o limite máximo de uma flexibilização ainda é uma incógnita”, afirma Bramante.

Narciso Figueirôa Junior, assessor jurídico do SETCESP, concorda. “O Supremo acertou em vários dispositivos considerados constitucionais, mas faltou clareza em definir os limites para a negociação coletiva dos temas declarados inconstitucionais. Os embargos poderiam ter detalhado melhor o alcance da liberdade de negociação. Isso afeta a segurança jurídica do setor”.

Para ele, as negociações coletivas devem refletir a vontade dos trabalhadores expressa em uma assembleia específica.

A ADI 5322 passou a valer em 12 de julho de 2023, após a publicação da ata de julgamento. As mudanças em relação aos temas declarados inconstitucionais não são retroativas: operações anteriores a essa data, realizadas conforme a Lei 13.103/2015, permanecem válidas.

Com o propósito de oferecer uma análise técnica e segurança jurídica para o setor, o SETCESP realizou, em 18 de novembro, o Seminário de Relações Trabalhistas: Diálogos e Novos Caminhos para o Setor. O encontro reuniu lideranças empresariais e profissionais, além de autoridades do TRT-2 e da EJUD2, apresentou de forma abrangente as reflexões dos especialistas ouvidos para esta reportagem. As discussões completas podem ser acessadas pelo canal do SETCESP no YouTube.

 

Em números: Perfil e preferências dos caminhoneiros em 2025

Maioria considera o intervalo não apenas adequado, mas acima do necessário

Fonte: Pesquisa Perfil e preferências dos caminhoneiros em relação às suas atividades profissionais – CNT e MDA Pesquisa


voltar

SETCESP
Privacy Overview

This website uses cookies so that we can provide you with the best user experience possible. Cookie information is stored in your browser and performs functions such as recognising you when you return to our website and helping our team to understand which sections of the website you find most interesting and useful.