Logística limpa pode ser vitrine verde na COP30
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Brasil tem oportunidade única de provar que descarbonização e competitividade econômica não são opostos, mas aliados estratégicos.

Nunca tivemos tanto a ganhar – ou perder – com a escolha de por qual caminho queremos trilhar. De um lado, temos a realização da COP30, que será realizada em Belém, de 10 a 21 de novembro, nos cobrando resultados concretos e colocando o país no centro das discussões globais sobre clima.

De outro, o avanço de projetos estratégicos que prometem estabelecer nossa posição no comércio internacional, como a ferrovia bioceânica, que conectaria o território brasileiro ao Pacífico via porto de Chancay, no Peru, nos aproximando ainda mais da China, nosso maior parceiro comercial.

O setor de transportes é (e sempre foi) o nosso calcanhar de Aquiles. Inclusive em relação aos impactos climáticos brasileiros.

escolha pelo modo rodoviário, responsável por mais de 60% da matriz logística, emite até 12 vezes mais CO₂ por tonelada-quilômetro do que o ferroviário.

Além disso, dados internacionais mostram que, embora as ferrovias respondem por cerca de 6% do transporte global de cargas, sua participação nas emissões do setor não chega a 1%. Ou seja, apostar em trilhos é também apostar em uma economia mais eficiente. Em bom português: descarbonizar é competir também economicamente.

Isso porque a pressão não vem apenas das metas climáticas, mas do próprio mercado. A União Europeia já implementou mecanismos como o CBAM (Carbon Border Adjustment Mechanism), que taxará produtos intensivos em carbono.

Além disso, grandes tradings e redes varejistas globais têm exigido cadeias de suprimento mais limpas.

Se o Brasil quiser expandir suas exportações agrícolas e minerais sem perder competitividade, precisa transformar corredores como o da futura ferrovia bioceânica em vitrines de inovação ambiental.

A proposta nasce geopolítica, mas só será vencedora se for tecnológica, com tração elétrica/híbrida, controle automático de trens, regeneração de energia em rampa e sincronização porto–pátio para reduzir o tempo ocioso e manobras.

Essa equação melhora ainda mais se apostarmos na eletrificação da via (ou uso de energia limpa nos trechos não eletrificados), planejamento operacional com dados e sinalização inteligente.

Nos portos, o desafio é igualmente urgente. Estudos internacionais revelam que as operações marítimas podem responder por até 16% das emissões de óxidos de nitrogênio (NOx), 11% de dióxidos de enxofre (SOx) e 5% de material particulado fino (PM₁₀) em regiões costeiras.

Aqui, tecnologias já disponíveis podem fazer toda diferença: o shore power, que permite a conexão elétrica de navios atracados; a eletrificação de rebocadores e caminhões de pátio; e o monitoramento em tempo real por sensores e modelagem 3D são caminhos que já conhecemos para reduzir emissões e, ao mesmo tempo, aumentar a eficiência operacional.

Talvez, o momento atual seja nosso primeiro grande laboratório para a transformação. A eletrificação de trechos estratégicos, a implementação de controle automático de trens e a sincronização entre pátios ferroviários e terminais portuários são soluções que já existem.

 

Não se trata de custo adicional, mas de investimento estratégico para garantir que a economia avance compatível com as exigências do século XXI.

O ponto principal é que logística limpa é logística competitiva. O Brasil pode escolher entre continuar gastando bilhões em uma infraestrutura que ficará obsoleta em uma década ou aproveitar o momento para alinhar desenvolvimento econômico, transição energética e inserção internacional.

A COP30 oferecerá ao mundo um olhar sobre o país. Cabe a nós decidirmos se vamos apresentar um modelo de atraso ou um projeto de futuro.

*Ana Lucia Dorneles de Mello é doutora em Engenharia de Transportes pela UFRJ e professora do CEFET-RJ. Se dedica há mais de 20 anos à pesquisa e consultoria em logística, portos e ferrovias, além de projetos em infraestrutura e políticas públicas para a descarbonização do transporte no Brasil.


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