A nova resolução proposta pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) sobre a revisão das especificações do biodiesel reduzirá os contaminantes do biocombustível, mas pode levar a um aumento dos custos de produção e dos preços finais do diesel consumido no Brasil, segundo os produtores de biodiesel.
O governo reduziu para 10% (B10) a mistura obrigatória do biodiesel no diesel de origem fóssil válida para 2022, medida que, segundo o governo, evitará uma inflação ainda maior do diesel. Caso o mandato não tivesse sido reduzido, a partir de março, a mistura obrigatória seria de 14%.
As discussões da ANP sobre a qualidade do biocombustível foram abertas após queixas da indústria automotiva e de parte de elos da cadeia do setor de petróleo sobre a presença de contaminantes no diesel misturado ao biodiesel.
Em 2021, um grupo de nove entidades, que representam mais de 200 mil empresas, lançou um posicionamento conjunto manifestando preocupação com as discussões sobre a evolução do teor de biodiesel na mistura com o óleo diesel. O documento é endossado por produtores, distribuidoras, importadores, revendedores e transportadores de diesel, além de indústrias relacionadas ao consumo do produto. As entidades apontam “sérios problemas de qualidade decorrentes do combustível comercializado” no país e alegam que a evolução do percentual de mistura implicará em aumento de custos para o transporte de cargas e de passageiros e consequente elevação de preços de produtos para toda a sociedade.
De acordo com o coordenador-geral do Centro de Pesquisas e Análises Tecnológicas (CPT) da ANP, Alex Medeiros, o órgão regulador recebeu relatos de usuários sobre entupimentos de bombas, desgaste acelerado de filtros e paradas repentinas de máquinas e, com isso, decidiu revisar as especificações do produto. Além disso, ele lembra que a entrada em vigor em 2022 da próxima fase do Programa de Controle da Poluição do Ar por Veículos Automotores (Proconve), com limites mais rígidos de emissão, também trouxe a necessidade de discutir o assunto.
Na minuta de resolução apresentada, a ANP propõe especificações com menos monoglicerídeos e contaminantes metálicos. Os limites máximos para sódio, potássio, cálcio e magnésio serão reduzidos pela metade, de 5 mg/kg para 2,5 mg/kg. O limite de fósforo passa de 10 mg/kg para 4 mg/kg em 2022 e para 3 mg/kg em 2023. Os limites máximos de monoglicerídeos, por sua vez, seriam reduzidos de 0,7% para 0,6% em março de 2022 e para 0,4% em março de 2023. Os monoglicerídeos, em determinadas concentrações, podem favorecer a acumulação de depósitos suficientes para bloquear filtros dos veículos.
Os percentuais propostos dividem o setor. O diretor-superintendente da Associação dos Produtores de Biocombustíveis do Brasil (Aprobio), Julio Minelli, disse que o aumento de custos operacionais será “inevitável”, diante das novas exigências. A entidade defende a necessidade de revisão da especificação não só do biodiesel, mas também do diesel fóssil, uma vez que as reclamações sobre a qualidade do produto ainda carecem de análise mais profunda.
Minelli destaca que os limites máximos de monoglicerídeos propostos pela ANP estão alinhados a mercados que operam em condições climáticas polares, dissociadas da realidade do Brasil. A Aprobio defende que, até o limite de 0,6%, haverá um impacto dos custos de produção, mas que o limite é “tecnicamente factível” para a grande maioria das usinas. O limite de 0,4%, por sua vez, traria “aumentos expressivos” nos custos.
“Praticamente todas as usinas necessitariam de investimentos importantes para atingir nível de conversão proposto. Isso acabaria levando a aumento no preço do produto”, afirmou Minelli durante participação na audiência pública realizada pela ANP, hoje (18/1), para debater a minuta da resolução.
A Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove) faz coro ao posicionamento da Aprobio ao defender que os limites impostos trazem a necessidade de investimento por parte das usinas para adequação. O consultor-técnico da entidade, Vicente Pimenta, afirma que a discussão precisa ser feita com cautela, uma vez que o produto brasileiro compete com o biocombustível subsidiado de outros países, como Argentina e Estados Unidos.
Segundo ele, a especificação atual não necessita de “reparos rigorosos”. O consultor destaca que os resultados promovidos podem ser nulos ou pouco expressivos se os problemas forem decorrentes de eventuais falhas de adequação à regulação. “Os problemas são de produtos fora do especificado, e não de problemas intrínsecos do produto”, disse, durante a audiência.
O consultor-sênior da Petrobras, Ricardo Pinto, por sua vez, acredita que o biodiesel está preparado para um “salto maior de qualidade” em relação ao teor de metais. A estatal tem planos de produzir diesel renovável, fruto do coprocessamento de óleo vegetal com diesel, e defende que a nova rota tecnológica seja aceita no mandato de biodiesel presente no diesel. Ou seja, a Petrobras quer que os percentuais de mistura obrigatória de biodiesel ao diesel possam ser cumpridos também com o uso do novo produto. Assim, seria possível atender ao mandato usando parte o biodiesel convencional e parte o diesel verde.
“É o mercado. O consumidor precisa de um produto de qualidade”, afirmou o diretor institucional da Federação Nacional das Distribuidoras de Combustíveis, Gás Natural e Bicombustíveis (Brasilcom), Sérgio Massillon, ao comentar sobre a perspectiva de aumento de custos de produção relatada pelas usinas.
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