Sobra no FGTS contrasta com carências da infraestrutura
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20 de Janeiro de 2016 – 07h28 horas / Valor Econômico

A constatação de que o Fundo de Investimento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FI-FGTS) tem R$ 22 bilhões disponíveis para a infraestrutura sem interessados é, no mínimo, desconcertante. Os recursos podem ser usados em operações de crédito ou investimentos, registrou o Valor na edição da sexta-feira, mas estão ociosos. Três dias antes, o jornal havia relatado a sobra de dinheiro do FGTS para saneamento básico ou infraestrutura urbana. No ano passado, apenas R$ 5,1 bilhões do total de R$ 7,5 bilhões orçados para o saneamento básico foram utilizados, ou o equivalente a 42,2%. No caso da infraestrutura urbana, o desempenho foi muito mais pobre, com o gasto de R$ 717,6 milhões de R$ 9 bilhões disponíveis, ou meros 8%.


A principal contrapartida requerida é óbvia – a existência de um projeto concreto de investimento. Mas essa simples exigência não é atendida pela falta de empreendimentos viáveis nos quais os recursos podem ser empregados, com parâmetros adequados de risco de crédito. Além disso, os investimentos privados minguaram diante da crise econômica e do envolvimento de importantes players desse mercado nas investigações da Operação Lava-Jato; e o setor público já mostra endividamento elevado.


O mais desconcertante é que são profundas as carências do país nessas áreas. Estudo da Confederação Nacional da Indústria (CNI) que acaba de ser divulgado calcula que o Brasil vai estourar em mais de 20 anos o prazo para alcançar a universalização dos serviços de saneamento básico fixado pelo Plano Nacional de Saneamento Básico (Plansab), caso mantenha o atual ritmo de investimento. O Plansab previa que os serviços básicos deveriam chegar a todos os lares em 2033. Na atual situação, porém, o país só será atendido com água encanada em 2043 e com acesso à rede de esgoto em 2054. Segundo os dados mais recentes disponíveis sobre o assunto, do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS), 82% da população brasileira tem hoje acesso a rede de distribuição de água, e apenas 48,6% dispõem de coleta de esgoto. As perdas de água tratada com vazamentos giram ao redor de 40%.


O diagnóstico da CNI é semelhante: volume insuficiente de investimento, baixa qualidade técnica dos projetos e dificuldade de obtenção de financiamentos. O estudo também menciona a burocracia e exigências redundantes e excessivas, que dificultam os processos e elevam o custo para as empresas. Nem mesmo a liberação de verbas do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), a partir de 2008, acelerou a abrangência. Os valores gastos no setor estão estagnados desde 2009.


A questão do saneamento ficou ainda mais delicada com os recentes episódios de contaminação pelos vírus zika e chikungunya que vieram se somar à dengue, hepatite A, diarreia e verminose. A proliferação do mosquito vetor desses vírus não certamente é consequência apenas das condições ruins de saneamento, mas elas com certeza agravam a situação. Calcula-se que cada R$ 1 investido em saneamento economiza R$ 4 na saúde.


Na infraestrutura os problemas também são severos, o país ocupa o 75º lugar no ranking de competitividade do Fórum Econômico Mundial, que avalia 140 países. O Brasil perdeu 18 posições no levantamento do ano passado, com a deterioração de fatores básicos para a competitividade, como a confiança nas instituições, equilíbrio das contas públicas, capacidade de inovar e educação. O pilar Infraestrutura, um dos 12 avaliados na elaboração do ranking, traz uma leve melhora, consequência dos investimentos para a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016. A infraestrutura aérea, por exemplo, subiu 18 posições. Mas o país perdeu sete posições no indicador de qualidade do fornecimento de eletricidade; e a avaliação da qualidade dos portos continua ruim, com o país na 120ª posição. Em estradas cai para o 121º lugar, pior do que a Argentina, que está em 110º. Apenas 12,4% do 1,7 milhão de quilômetros de rodovias existentes são pavimentadas.


Lançado em agosto do ano passado, a segunda fase do Programa de Investimento em Logística (PIL) prevê investimentos de R$ 198,4 bilhões e, até agora, só realizou a licitação para arrendamento de quatro terminais portuários, com resultados aquém do esperado. Viabilizar a participação das pequenas e médias construtoras nacionais nas licitações e atrair as estrangeiras são alternativas para tirar os projetos do papel e aproveitar os recursos ociosos do FGTS.


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