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11 de Janeiro de 2018 – 01h54 horas / O Estado de S. Paulo

Mais que uma preciosa raridade, a inflação de 2,95%, a menor taxa anual em quase duas décadas, foi um dos principais fatores de reanimação da economia brasileira em 2017. Com os preços contidos, as famílias tiveram mais espaço em seu orçamento para voltar às compras, consumir mais produtos industriais e estimular a reativação de fábricas depois de longa estagnação. O aumento da atividade, ajudado também pelos juros menores, foi insuficiente para a retomada dos níveis anteriores à recessão, mas bastou para um reinício de contratações. Com a movimentação dos negócios, a desocupação diminuiu de 13,7% para 12% da força de trabalho entre o período de janeiro a março e o trimestre móvel encerrado em novembro.

 

Maior ocupação e ganhos protegidos pela inflação em queda resultaram em expansão da massa do rendimento real e, portanto, em maior capacidade geral de consumo. Além de ser a menor desde 1998, pela primeira vez a inflação oficial ficou abaixo do limite inferior de tolerância, desde a instituição do regime de metas em 1999. Para 2017, o Conselho Monetário Nacional havia mantido a meta de 4,5%, com 1,5 ponto de tolerância para cima ou para baixo.

 

A medida usada é a variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), apurada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Quando o resultado fica fora desses limites, o presidente do Banco Central (BC) é obrigado a enviar carta ao ministro da Fazenda com a explicação do desvio. Isso já havia ocorrido com o estouro do limite superior. A taxa de 2,95% em 2017 gerou a obrigação sem precedente, no Brasil, de uma carta para explicar por que a inflação ficou abaixo do limite inferior, também conhecido como piso da meta.

 

Dificilmente o presidente do BC, Ilan Goldfajn, poderia enfrentar obrigação mais suave. A inflação baixa do ano passado resultou tanto de uma política monetária bem conduzida quanto de uma produção excepcionalmente boa de alimentos. O custo de alimentação e bebidas diminuiu 1,87%, segundo a pesquisa do IBGE. Se o subgrupo alimentação no domicílio fosse excluído e em seguida se reponderasse o índice, o resultado seria 4,54%, valor muito próximo da meta, escreveu Goldfajn na carta.

 

Os preços ao consumidor medidos pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) subiram pouco mais que os apurados pelo IBGE. A alta chegou a 3,23%. Segundo a mesma pesquisa da FGV, os preços por atacado recuaram 2,52% no ano passado. No caso dos agropecuários, a queda foi de 12,34%. No varejo, o custo da alimentação diminuiu 0,64% durante o ano, contribuindo de forma importante para a contenção do Índice Geral de Preços – Disponibilidade Interna (IGP-DI), que registrou recuo de 0,42% em 2017.

 

Condições de tempo muito boas favoreceram a produção de alimentos em 2017, mas a oferta tem sido normalmente boa, há mais de um quarto de século, graças a importantes ganhos de produtividade. Esses ganhos foram propiciados pela difusão de tecnologia e pela adoção gradual de uma política realista de preços, com menor intervenção estatal e, portanto, maior liberdade para as decisões dos produtores. Desde o começo dos anos 1990 o peso da alimentação no orçamento familiar foi revisto para baixo, mais de uma vez, pelos institutos de pesquisa. Comer ficou mais barato e isso facilitou, no longo prazo, a diversificação do consumo.

 

No curto prazo, esse efeito foi observado de forma acentuada em 2017, quando a renda familiar liberada pela baixa do custo da alimentação foi destinada a outros itens de consumo. As famílias de baixa renda foram especialmente beneficiadas pela moderação dos preços. O Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), baseado no orçamento de famílias com renda mensal entre um e cinco salários mínimos, aumentou 2,07% no ano, a menor taxa desde a implantação do Plano Real.

 

Para 2018, o mercado projeta inflação de 3,95%, número aparentemente otimista diante das incertezas de um ano de eleições e, talvez, de turbulência política. Se o ambiente político for favorável a avanços nos ajustes e reformas, o BC poderá cortar mais um pouco os juros básicos, dando mais gás à economia. Criar esse ambiente ultrapassa o mandato da autoridade monetária.


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