A CPMF “fora da caixa”
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12 de Fevereiro de 2016 – 03h19 horas / Blog do Geraldo – NTC&Logística

O país acompanha, em suspense, as gestões do governo federal para recriar a CPMF, apresentada como condição indispensável ao reencontro do equilíbrio fiscal, não só no plano da União, mas também no âmbito das Unidades Federativas – todas em situação difícil e algumas em estado pré-falimentar.  Um tributo sempre muito criticado pelos especialistas, transformou-se, de repente, na única solução para a gravíssima crise fiscal em que nos enredamos.

Há poucos dias, na reabertura dos trabalhos do Legislativo, a presidente Dilma foi ao Congresso Nacional para defender, pessoalmente, a recriação da CPMF e a reforma da previdência, os dois remédios mais amargos da pauta do Governo. Recebeu um ou outro tímido aplauso da sua base de apoio. Mas as vaias foram muito mais fortes.

Aumentar impostos ou instituir novos nunca foi tarefa fácil, em nenhum lugar do mundo. No Brasil de hoje isso é quase impossível, por muitas razões: a carga tributária já é muito alta (mais de 35% do PIB) e a capacidade contributiva da sociedade está cada vez mais comprometida pela recessão, pelo desemprego e pela inflação. Os serviços públicos, nas três esferas da administração, são de péssima qualidade, obrigando a população a buscar soluções privadas (e onerosas) de saúde, educação, transporte, segurança etc. E há, ainda, a percepção generalizada – sobretudo depois do Mensalão e da Lava Jato – de que isso acontece não por falta de dinheiro, mas sim porque é absurdamente catastrófica a gestão dos recursos públicos, que, apesar do nome, são, afinal, recursos privados que, por força de lei, são expropriados pelo Estado. Só não se consegue estabelecer com precisão o peso de cada fonte de desperdício, mas, sendo realista, é impossível não perceber que 50%, ou mais, de tudo o que é arrecadado vai para o ralo da

corrupção, ou da incompetência, ou do corporativismo, ou da burocracia, ou de todos esses ralos juntos, e de outros menores.


Seguramente, as vaias que recebeu em pleno Congresso Nacional devem ter dado à presidente Dilma a noção da dificuldade que enfrentará para aprovar uma emenda constitucional [que exige maioria qualificada de 3/5 dos votos, em duas votações, nas duas casas do Congresso] para autorizar a cobrança do novo tributo sobre movimentação financeira, seja em caráter provisório ou definitivo; seja como imposto ou como contribuição.


Chego a imaginar que a ideia de se estabelecer uma idade mínima para aposentadoria; a equiparação, para efeito de contribuição e benefícios previdenciários entre homens e mulheres, entre trabalhadores do campo e da cidade, e entre celetistas e servidores públicos, e outros temas altamente controvertidos, entram nesta história como “bode na sala”, moeda de troca, a ser usada para tentar garantir a aprovação da CPMF.
 

Não que a reforma da previdência não seja fundamental. Ao contrário, ela é tema importantíssimo que precisará ser enfrentado de maneira corajosa, sob pena de, mais cedo ou mais tarde, inviabilizar a previdência social em nosso país e, por consequência, levar à bancarrota o próprio Tesouro Nacional, o que seria uma tragédia sem precedentes. Mas há uma grande diferença: a CPMF é fundamental para garantir o fechamento das contas DESTE ANO, não só do Governo Federal, mas também dos Governos Estaduais. Já a reforma da previdência é até mais importante, mas não tem o mesmo grau de urgência. Pode esperar mais um pouco. É uma bomba que a atual presidente vai acabar deixando para o seu sucessor desarmar, e arcar com o desgaste correspondente.

Estou convencido de que a estratégia do Governo é agitar os dois objetivos para tentar garantir um deles: a CPMF. E aposto que tanto o Governo quanto os partidos que lhe dão suporte, prefeririam mil vezes não ter de enfrentar mais esse desgaste político, a poucos meses do pleito municipal de outubro próximo. Estão todos atrás de uma proposta que tenha chances reais de ser aprovada no Congresso, que seja menos traumática, sob o ponto de vista político, e que, apesar disso, ajude os governo federal e os governos estaduais a fecharem suas contas em 2016.


Pois numa reunião do Conselho Político da NTC&Logística, realizada no último dia 27 de janeiro, parece ter sido encontrada a fórmula mágica que torna menos amargo o remédio da CPMF. Basta dar caráter compensatório ao novo tributo, de modo que tudo que for arrecadado através dele possa ser descontado de outros tributos federais: Imposto de Renda, PIS/COFINS, CSLL etc., tanto pelas pessoas jurídicas, quanto pelas físicas.


Com isso, seria afastada a objeção de aumento da carga tributária, ao nível individual. A rigor, para quem já paga seus impostos corretamente, não haveria aumento, pois, em tese, tudo o que fosse arrecadado a título de CPMF seria deduzido na apuração de outros tributos, inclusive no SIMPLES. No caso das pessoas físicas, o novo tributo poderia substituir o IR na fonte, pois teria papel semelhante.


Alguém poderá dizer que o Governo não teria interesse nesta solução, já que o seu ganho, em termos de aumento de arrecadação, se houver, seria muito pequeno. Não é verdade. A CPMF tem, reconhecidamente, uma grande vantagem, que é a facilidade de arrecadação, via bancos e instituições financeiras, com sonegação praticamente zero.
 

Ao contrário do que parece à primeira vista, ganha-se muito: no fluxo de caixa, pela antecipação do recebimento; na contenção da sonegação e da inadimplência, o que não é pouca coisa, num quadro recessivo como o que estamos vivendo; porque passa a cobrar imposto de toda a economia informal, que é quase outro Brasil; porque volta a ter um precioso marcador da atividade econômica de cada contribuinte, e da sua compatibilidade com os ganhos informados (ou não) nos impostos declaratórios, o que torna ainda mais difícil a vida de quem pretenda continuar na informalidade.


E mais: com a introdução do caráter compensatório, abre-se espaço para uma alíquota mais elevada do que os percentuais que têm sido considerados até aqui (0,20%, 0,38%), o que pode projetar um aumento real de arrecadação muito significativo, sem penalizar os mesmos de sempre, isto é, aumentando a base de contribuintes (até mesmo traficantes de droga, contrabandistas, ladrões de carga passam a pagar imposto) e impedindo a evasão, salvo pela via da “desbancarização”. Todavia, por motivos óbvios, quem optar por trabalhar com dinheiro vivo para escapar à tributação da CPMF descobrirá logo que esta é uma péssima ideia…
 

Embora não seja ainda uma proposta, porque precisa ser lapidada e transformada num projeto, esta é daquelas soluções que merecem ser chamadas de “ovo de Colombo”. E pode converter-se na grande saída para o Governo viabilizar a recriação da CPMF.


Fico à vontade para elogiá-la porque ela não é minha, mas do grande amigo e também ex-presidente da NTC&Logística, Oswaldo Dias de Castro. Do alto dos seus 79 anos, recém completados, ele demonstra que está em plena forma.


Quem, como eu, conviveu com Oswaldo nos anos 70, 80 e 90, quando ele exercia forte liderança no conjunto do setor de transporte, sabe que uma das suas características sempre foi a de buscar saídas inesperadas para problemas complicados. Muito antes de ser cunhada a expressão, ele já se destacava por “pensar fora da caixa”.


Foi o que ele fez, mais uma vez, na já referida reunião do nosso Conselho Político, ao trazer à discussão essa ideia brilhante, com o seu jeito simples, indo direto ao ponto, sem perder tempo com detalhes, como aquele risco despretensioso com que Oscar Niemayer fazia o primeiro esboço dos seus grandes projetos. Agora é dar à ideia o acabamento e a estruturação que ela merece.


É previsível que sejamos criticados por tentar ajudar a viabilizar um novo imposto, quanto deveríamos nos opor fortemente a qualquer tentativa de aumento da carga tributária, seja pela criação de novos, seja pela elevação dos já existentes.


Foi exatamente o que defendi em “A reforma que não houve”,  [http://www.portalntc.org.br/blogdogeraldovianna/a-reforma-que-nao-houve/56228], e “Reformas para mudar de verdade”, [http://www.portalntc.org.br/blogdogeraldovianna/reformas-para-mudar-de-verdade/56311], artigos de outubro e novembro do ano passado, publicados neste mesmo espaço. E continuo achando que devemos mesmo emparedar o Poder Público brasileiro [Executivo, Legislativo e Judiciário; União, Estados e Municípios], mantendo-o a pão e água, obrigando-o a cortar na carne, a eliminar montanhas de gastos inúteis, a acabar com o desperdício criminoso de recursos públicos.


Mas isso não significa apostar no impasse e no caos. Ajudar a por em pé uma solução que alivie as restrições de caixa que comprometem a prestação de inúmeros serviços públicos essenciais em todo o país, e que estimule a retomada de investimentos, aqui e ali, de modo a começar a reanimar a economia: esta parece ser uma iniciativa muito melhor do que ficar no jogo de desgastar o Governo, para apressar o seu fim, jogo no qual o país inteiro acaba pagando um preço muito alto, gerando atraso de vida e prejuízos irrecuperáveis para as pessoas e para os negócios.


Acredito que a CPMF compensável – aqui alinhavada – seja a saída palatável que Governo e Congresso Nacional procuram [inclusive a oposição, que também tem interesse em aliviar a situação em estados que governa] para aliviar o déficit público e, por esta via, começar a conter a inflação e a reduzir gradualmente a taxa de juros.


Como já disse em outro artigo recente, não se trata de dar refresco ao Governo (que, aliás, não tem feito por merecer), mas de dar um refresco ao país. Há o tempo de identificar e punir culpados e há o tempo de construir soluções. Num certo momento, teremos de dar uma pausa nessa “caça às bruxas” que já se estende por mais de dois anos, para tentar construir consensos mínimos que nos permitam realizar a difícil travessia, do atoleiro em que nos encontramos até a terra firme, em que teremos até mais fôlego para continuar a discutir as nossas diferenças de opinião com relação aos rumos do país. De preferência, porém, fazendo como o Oswaldo: “pensando fora da caixa”, desconfiando das soluções óbvias e fugindo de ideias preconcebidas.

Geraldo Vianna é advogado, consultor em Transportes, ex-presidente da NTC&Logística e Diretor da CNT.


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